O combate à violência começa com a prevenção. A prevenção começa com a saúde mental
Por Daniel Patini
Desde maio de 2020, o Programa de Acolhimento ao Luto (Proalu) do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (Caism/Unifesp) oferece atendimentos a pessoas com mais de 18 anos de todo o país, por meio do acolhimento breve ao luto on-line pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente voltado àqueles(as) que perderam seus entes queridos vítimas de covid-19, a partir de 2021, o Proalu começou a atender pessoas enlutadas – crianças, adolescentes e adultos – por perdas decorrentes de todos os tipos de morte, incluindo as que passaram por perdas gestacionais.
"No momento, os atendimentos das crianças e adolescentes, o que chamamos de pequenos(as) enlutados(as), ainda estão acontecendo apenas presencialmente no Caism, localizado na Vila Mariana, em São Paulo, mas estamos desenvolvendo uma plataforma específica para podermos acolhê-los(as) de forma virtual também, o que esperamos conseguir colocar em prática em 2023", relata a psicóloga Samantha Mucci, coordenadora do Proalu e professora do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo.
Os atendimentos são realizados por psicólogos(as) voluntários(as), psiquiatras colaboradores(as) e residentes de Psicologia, Psiquiatria e de Medicina da Saúde da Família. Eles(as) são treinados(as), e os atendimentos são supervisionados semanalmente por uma equipe especializada em luto. Ao todo, incluindo a docente coordenadora e um técnico-administrativo em educação, o quadro funcional do programa é composto por quase 80 profissionais.
Como funcionam os atendimentos e os agendamentos
Para os indivíduos maiores de 18 anos, é realizado atendimento em acolhimento breve ao luto (quatro encontros on-line) ou em psicoterapia de luto (12 encontros virtuais), e às crianças e adolescentes, é oferecida ludoterapia em luto presencial (16 encontros, sendo 12 encontros consecutivos, dois quinzenais e dois mensais). Já com os(as) cuidadores(as) sobreviventes, ocorrem grupos de acolhimento e orientação ao cuidado com o(a) pequeno(a) enlutado(a) por meio da Internet (oito encontros).
Os agendamentos são realizados pelo e-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. ou pelo site www.proalu.com.br. A própria pessoa enlutada ou um(a) profissional da saúde pode enviar uma mensagem com pedido de atendimento, contendo o nome, número da carteira do SUS e celular para a equipe de triagem entrar em contato. "Os atendimentos aos(às) pequenos(as) enlutados(as) estão mais demorados, mas estão sendo realizados", ressalta a coordenadora.
O que é o luto e quando procurar ajuda
A professora Samantha Mucci descreve o luto como um processo natural pelo qual todos(as) passamos ao longo da vida, diante da ruptura de um vínculo significativo. "O(a) enlutado(a) precisa ressignificar sua relação com a pessoa que morreu, com a sua vida e sua finitude. A maneira como cada um(a) vivencia o seu luto é muito singular e é influenciado pela maneira e momento de vida que se deu a perda, pela personalidade, pelos valores e crenças da pessoa enlutada e, especialmente, pela qualidade da relação que ela tinha com a pessoa que morreu", detalha. Além disso, segundo ela, o tempo do processo de luto também é muito subjetivo e precisa ser respeitado. "Em um processo de luto natural, a pessoa enlutada vivenciará momentos de tristeza, saudade, lembrará daquela que morreu, assim como vivenciará momentos de retomada de sua vida com essa ausência".
Porém, a coordenadora do Proalu alerta que entre 10 e 15% das pessoas enlutadas podem apresentar maior dificuldade em lidar com seu processo de luto, apresentando um sofrimento intenso e duradouro que pode tirar o seu interesse em retomar a vida e realizar até mesmo atividades que anteriormente gostava muito. "Ela pode não se sentir compreendida pelas pessoas mais próximas, ter vontade de se isolar, vivenciar sentimentos de tristeza, culpa e pesar intensos e persistentes, acompanhados por pensamentos ruminativos ou imagens insistentes do(a) ente querido(a) falecido(a) e por um sentimento de descrença ou incapacidade de aceitar a realidade da morte da pessoa. Nesses casos, é preciso buscar ajuda especializada", orienta a psicóloga.
"Acreditamos que a psicoeducação em luto é muito importante para o indivíduo enlutado entender o que está vivenciando. No site do Proalu e no perfil do Instagram, temos dicas de livros, filmes, podcasts, assim como textos elaborados pela equipe do programa e um espaço de memórias, para o qual a pessoa enlutada pode nos enviar seu memorial para publicarmos e facilitar a troca de informação sobre o processo que estão vivenciando. Há também a coluna mensal com textos da psicanalista Marina Smith, que promovem reflexões sobre o processo de vida e morte. Esses espaços são recursos para os(as) profissionais da saúde entenderem mais sobre terminalidade e processo de luto. Por fim, estamos produzindo cartilhas e manuais que devem ser lançados até o final deste ano e disponibilizados nas redes sociais", ela completa.