A Enfermagem no contexto da pandemia pela Covid-19: que lições aprendemos?
12 de maio - Dia Internacional da Enfermagem e do Enfermeiro
Em comemoração ao Dia Internacional da Enfermagem e do Enfermeiro(a) celebrado em 12 de maio, queremos refletir à luz do tema central proposto pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN): que lições aprendemos com a Covid-19?
A pandemia, como todas as crises vividas pelo ser humano, especialmente as crises mundiais, ensina algo a todos. A Enfermagem do planeta se mobilizou no combate à doença, no cuidado aos doentes e nas medidas preventivas, como é parte do mister profissional. Este cenário de crise sanitária, nos remete a algumas reflexões: O que terá ensinado a pandemia à nossa categoria profissional? Que alicerces podemos erguer para um futuro melhor para a profissão, para os profissionais e para todos os grupos sociais de nossa sociedade?
Que lições foram aprendidas?
Lição 01: Desigualdade
Foi possível constatar a enorme lacuna entre grupos sociais revelando de forma cruel os menos favorecidos, aqueles considerados base da pirâmide sócio econômica, a grande massa de trabalhadores pouco qualificados e, portanto, de trabalhadores sem trabalho digno. Somado a isso, foi possível verificar que o manto do SUS cobre desigualmente estas populações, ou seja, dá mais cobertor a quem tem mais força para puxar. As conquistas duramente obtidas através de decênios para cumprir o dispositivo legal “saúde como dever do estado e direito de todos...” foram negligenciadas. O atraso na decisão de vacinar e dispor deste meio, assim como na frouxidão ou leniência no seguimento de normas sanitárias banais como o uso da máscara e da higienização das mãos (que servem para quaisquer doenças de disseminação pelo ar) colocou milhares de pessoas à mercê da Covid-19. A Enfermagem cuidou de todos, sem discriminação, mas era óbvio que iriam faltar leitos e pessoal para dar conta de uma avalanche pandêmica como esta. Também na Enfermagem, que igualmente ao restante da sociedade tem grupos mais ou menos privilegiados nos processos de trabalho, a pandemia bateu mais forte naqueles com piores condições de trabalho. Resta a lição ainda a ser feita com o aprendizado das desigualdades: um balanço geral das ações da Enfermagem e mapeamento epidemiológico para avaliar o impacto da pandemia entre diferentes grupos de nossa profissão. Detectado e avaliado, transformar as necessárias mudanças em direitos aos profissionais da Enfermagem como uma política pública de estado. À categoria cabe o sistemático e contínuo processo de avaliação das condições de trabalho, seguimento da força de trabalho, dos instrumentos e das condições mais seguras para o exercício da profissão.
Lição 02: Violência Doméstica
Um dos fenômenos mais preocupantes detectados durante a pandemia foi o aumento expressivo de violência doméstica, mais propriamente violência contra a mulher e contra as crianças. Este fenômeno se estendeu à Enfermagem brasileira exercida majoritariamente por mulheres, em alguma escala a violência atingiu estes profissionais também. Temos dados? Temos números? Temos formas de combater a violência sofrida pelos profissionais de Enfermagem? Na pandemia aprendemos a lição de que o monitoramento, especialmente o epidemiológico, é importante para poder interferir precocemente no curso dos fenômenos de doenças ou agravos à saúde. O que podemos fazer para transferir este aprendizado em dados sobre a Enfermagem brasileira? É preciso novamente reforçar as políticas públicas e transformar em práticas: cada local de trabalho com mais trabalhadoras de Enfermagem deve ter um escritório/ canal de notificação da violência, assim como apoio e seguimento para a superação.
Lição 03: Qualificar, qualificar e qualificar!
O exercício da enfermagem, assim como muitas profissões, demanda um contínuo aperfeiçoamento, não somente de técnicas e procedimentos mais atuais e de maior impacto, mas um aperfeiçoamento em termos éticos e de compromisso social. Portanto, a qualificação profissional não é somente uma exigência do mercado, é e deve ser uma exigência de cada profissional para combater as iatrogenias e seguir ofertando trabalhos cientificamente embasados, mais que isso deve ser uma exigência que os lugares de trabalho proporcionem estes processos qualificadores sistemáticos, aprofundados e remunerados, ou seja, dentro do seu período de trabalho. Se as instituições formadoras têm a obrigação de produzir profissionais de qualidade, com habilidades e conhecimentos, além de atitudes eticamente comprometidos, as instituições de serviços de saúde devem ter a obrigação de sistemática e continuamente aprimorar os processos qualificadores dos trabalhadores da Enfermagem.
Temos muita esperança porque somos resilientes, sempre exerceremos nossa profissão sob o alicerce da ciência, da ética e com muita crítica.
Finalmente, nestes anos todos de formação superior universitária que tem a Enfermagem brasileira, e com um número elevado de doutores ou cientistas da Enfermagem, ainda somos caudatários na definição de políticas cuidativas. O que falta para termos maior autonomia sobre o cuidado de enfermagem, quer para assistir aos enfermos quer para prevenir enfermidades, transformando alguns princípios universais do cuidado em política de estado? A pandemia nos ensinou muito, mas muito mais temos a aprender com a correta avaliação de nossos acertos e erros, pois estes nos ajudarão a melhor pavimentar nossas ações para futuras demandas tão críticas quanto a pandemia da Covid-19. De início, a pandemia da pós Covid-19, como enfrentar as consequências, sequelas e efeitos colaterais longos provocados pela enfermidade, ou pelo tratamento dado na enfermidade? Que tipo de iatrogenia nosso cuidado “urgente sobre o desconhecido” pode ter ocorrido? Que instrumentos temos ou necessitamos criar para cuidar dos que perderam a família toda? Onde os profissionais de enfermagem serão acolhidos e cuidados nas sequelas dos anos estressantes cuidando e amparando os pacientes e familiares? Será necessário elaborar projetos cuidativos pós pandemia e refazer esta pergunta dentro de um ou dois anos.
“Muita saúde para a Enfermagem e longa vida à profissão!”
Profa. Dra. Dulce Aparecida Barbosa
Titular e Livre Docente do Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica - Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Outras informações: clique aqui.
Profa. Dra. Janine Schirmer
Titular e Livre Docente do Departamento de Enfermagem na Saúde da Mulher e Vice-Diretora Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Outras informações: clique aqui.
Prof. Dr. Alexandre Pazetto Balsanelli
Docente Adjunto do Departamento de Administração em Serviços de Saúde e Enfermagem e Diretor Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Outras informações: clique aqui.
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