Infectologista da Unifesp esclarece as opções existentes de teste para Covid-19
Com a flexibilização do isolamento social no país, procura por testes tende a aumentar; Celso Granato explica cada um deles
Por Valquíria Carnaúba
Os dados são do Ministério da Saúde (MS), atualizados em 26 de maio: o Brasil realizou, até o momento, pouco mais de 850 mil testes oficiais para o coronavirus. Tal montante representa apenas 0,4% da população, que em 2019 beirava os 211 milhões (IBGE). Esse fator, somado à retomada das atividades econômicas e institucionais no país, levará naturalmente a uma crescente procura individual por testes para Covid-19. "As pessoas vão se expor mais e, consequentemente, se preocuparão com uma possível contaminação", explica Celso Granato, médico infectologista e docente aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Granato detalhou os tipos de testes ofertados por farmácias, laboratório e governo, métodos de análise clínica em amostras de pacientes com suspeita de ter contraído a doença, os motivos para seu alto custo, e as circunstâncias em que devem ser feitos. "Testar desnecessariamente não é interessante para o paciente, que pode chegar a conclusões erradas, nem para o sistema de saúde como um todo, pois resultados equivocados não possuem nenhum custo-benefício", complementa.
Quais os tipos de testes de que a população dispõe atualmente?
C.G. É importante, antes de tudo, lembrar que, apesar da liberalização, devemos continuar tomando os cuidados recomendados, como o uso de máscara e a higienização correta das mãos. Quem decidir testar para saber se contraiu Covid-19 precisa saber que há duas grandes divisões. O primeiro grupo engloba os testes moleculares realizados por meio da técnica RT-PCR (sigla em inglês para transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase). Esse teste detecta a infecção pelo vírus com base na quantidade de material genético que libera (RNA+), algo que ocorre simultaneamente ao surgimento dos sintomas. Supondo que você tenha ido ao supermercado, alguém espirrou por perto e exista a chance de ter se contaminado, espere ter algum sintoma (febre, dor muscular e perda do olfato e paladar) para fazer esse teste, pois há risco de gastar dinheiro à tôa. O indicado é fazê-lo a partir do terceiro dia após o início dos sintomas.
O outro grupo envolve os testes sorológicos, que verificam os anticorpos presentes no sangue do paciente. Não é muito bom para fazer diagnóstico, pois demoramos de sete a dez dias para começarmos a produzir anticorpos. Depende do organismo perceber que está enfrentando uma infecção e de uma produção relevante de anticorpos para que sejam detectaveis pelo exame. Então, ele serve para sabermos se já contraímos a doença no passado. Se você teve um quadro gripal meio estranho há um mês, se curou e ficou na dúvida se contraiu o coronavirus, é o teste mais indicado. Até por que hoje sabemos a proteção que uma infecção dessa proporciona - o que não sabemos é quanto tempo ela dura. Baseados no que sabemos sobre os outros coronavirus, essa proteção dura pelo menos alguns meses, de seis meses ou mais. Essa é uma boa hora para fazer esse teste. Esse é o que pode facilitar a vida de muita gente, principalmente de quem tem uma atuação constante junto a outras pessoas, como enfermeiros e caixas de supermercado. Sabendo se são positivas, essas pessoas podem trabalhar com muito mais tranquilidade.
Há agora um novo tipo de teste sendo desenvolvido pelo mercado baseado na análise por proteômica, com sensibilidade próxima à do RT-PCR, mas que avalia a presença de proteínas específicas do coronavírus - e não o material genético do agente.
As técnicas de coleta também são distintas. A adotada nos testes por RT-PCR e proteômica é a que armazena uma amostra de raspado (swab) de nasofaringe ou orofaringe – células obtidas na mucosa do fundo do nariz ou da garganta com uma haste flexível (cotonete estéril), onde o vírus se instala mais facilmente. É uma coleta incômoda, que pode provocar enjoo. Já o teste sorológico ocorre com a coleta do sangue na veia do paciente. No laboratório, são separados os componentes vermelhos e utilizada apenas a parte líquida do sangue.
Qual o índice de acerto de cada uma dessas técnicas?
C.G. O índice de acerto para os testes de laboratório RT-PCR e sorológico é de 100%, caso sejam feitos na época certa (consultar o quadro I). Já o novo teste de proteômica tem uma taxa de 84%. Só há uma situação em que a sorologia pode dar falso negativo (IgM positivo e IgG negativo): em pessoas que tomaram a vacina contra a gripe. Isso porque esse tipo de teste detecta dois tipos de anticorpos diferentes, o IgM e o IgG. A primeira diz respeito a uma molécula fabricada por nosso organismo para "apagar incêndios" no combate às infecções tanto pelo vírus da gripe como pelo da Covid-19. Três dias após a infecção, o sistema imunológico lança mão do seu anticorpo "2.0", o IgG, mais específico para o coronavirus. Quando a IgM for positiva isoladamente (IgG negativa), repita o teste depois de quatro dias para saber se a IgG ficou positiva; se não ficar, é por que houve reação cruzada e a IgM é falsa.
Os testes de farmácia, que estão chegando aos poucos nos estabelecimentos por um preço que chega a ser 50% menor o que os testes de laboratório, são confiáveis?
C.G. São testes sorológicos, que também detectam anticorpos IgM e IgG, e seu nome técnico é teste imunocromatográfico. Funcionam de modo semelhante aos testes de gravidez. Acho ótimo eles estarem ao alcance da população nas farmácias, pois popularizam a testagem. O problema é que a maior parte desses tetes é de baixa qualidade. Um teste rápido tem uma sensibilidade entre 60% e 70% em comparação ao teste sorológico. Essa diferença ocorre porque os testes feitos com o soro do sangue são mais sensíveis do que os feitos em farmácia, a partir de gotas do sangue do paciente. Para fazer isso em uma farmácia, seria necessário haver uma centrífuga específica para separar o soro da parte sólida do sangue (hemácias e plaquetas, por exemplo). Além dessas questões, é importante que as farmácias treinem seus funcionários para fazer esses testes com segurança.
Por que os testes para Covid-19 são tão caros?
C.G. O que posso dizer é que a maior parte dos laboratórios que ofertam o teste RT-PCR o faz por um preço próximo ao de custo, mas ainda assim existe variação de um laboratório para outro. Na média todos são caros pois os reagentes são importados, e com o Dólar valendo seis vezes mais do que o Real, não tem muito jeito. Quanto aos testes sorológicos, são todos importados, Um teste de RT-PCR não sai por menos de R$150,00, um preço composto em 40% por imposto de importação. No caso do teste sorológico, o produto inteiro é importado. Já no caso do teste RT-PCR, dependemos de algumas enzimas importadas que entram no processo de multiplicação do RNA do coronavirus, que não são produzidas no Brasil pois se trata de uma tecnologia que não despertou interesse estatal e privado para seu desenvolvimento no país. A maior parte das empresas que as produzem estão nos Estados Unidos, na Europa e na China. Entretanto, quando chegamos numa situação como a atual, que nós e o mundo inteiro depende de um insumo produzido com uma tecnologia específica, estamos numa situação em que precisamos e não dispomos de recursos suficientes para testar.
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