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Pesquisa da EPM/Unifesp relaciona combate à pobreza na infância e risco de inserção do jovem na criminalidade

Publicado: Quinta, 27 de Outubro de 2022, 11h31 | Última atualização em Segunda, 07 de Novembro de 2022, 09h16 | Acessos: 20786

Em um cenário sem pobreza, 22,5% dos casos criminais de jovens poderiam ter sido evitados

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Um estudo desenvolvido pelo Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo buscou investigar quais fatores relativos à infância poderiam estar associados à entrada dos jovens ao mundo do crime. Os resultados revelam: o combate à pobreza nos primeiros anos de vida reduziria em quase um quarto o risco de um jovem cometer algum crime. 

Os detalhes desse estudo podem ser vistos na reportagem da jornalista Luciana Constantino, divulgada pela Agência Fapesp. O texto na íntegra está disponível abaixo:Combate à pobreza na infância reduz em quase um quarto o risco de jovem cometer crime, aponta estudo.

Combater a pobreza durante a infância poderia reduzir em quase um quarto o risco de o jovem cometer crime, de acordo com pesquisa realizada no Brasil e publicada na revista Scientific Reports. Uma das inovações do estudo é o método adotado: foram analisados 22 fatores de risco que podem ter impacto no desenvolvimento humano e acompanhadas mais de 1.900 crianças por um período de sete anos, até chegarem à juventude.

Os cientistas concluíram que uma medida ampla de pobreza, que envolvia baixa escolaridade do chefe da família, baixo poder de compra e limitado acesso a serviços básicos, foi o único fator relacionado à criminalidade que poderia ser prevenido. O cálculo usou o chamado PARF (sigla em inglês para fator de risco atribuível à população), que aponta possível redução de envolvimento com crime caso haja uma intervenção precoce bem-sucedida nos indicadores de risco detectados na infância.

Em um cenário sem pobreza, 22,5% dos casos criminais de jovens poderiam ter sido evitados. Por outro lado, exposições perinatais, como gravidez não planejada, prematuridade, filhos de mães fumantes ou de usuárias de álcool não apresentaram nenhuma relação com crimes no futuro.

"É preciso ter uma visão integral do jovem que entra na criminalidade para tentar entender as circunstâncias que o levaram a essa situação. Por isso, procuramos considerar vários fatores que podem ser prevenidos", explica a pesquisadora Carolina Ziebold, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e primeira autora do artigo. Ziebold teve apoio da FAPESP durante o doutorado e também recebeu bolsa Jovem Talento Pesquisador do Programa de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Para o professor da Ary Gadelha, orientador de Ziebold e coautor do artigo, uma das diferenças desse estudo foi o uso de uma medida complexa da pobreza, para além da renda das famílias.

“Analisar as condições de moradia e de acesso a políticas públicas é uma forma mais completa para entender a pobreza. Isso nos leva a apontar que a solução não passa apenas pela melhoria da renda. Uma série de adversidades enfrentadas por essas crianças vai se traduzir na vida adulta em maior dificuldade a acesso a um emprego, nível educacional mais baixo, entre outros”, afirma Gadelha à Agência FAPESP.

A pesquisa utilizou uma abordagem epidemiológica chamada “estudo de associação ampla”, que é bastante empregada em genética sob o nome Genome Wide Association Studies (GWAS), mas pouco aplicada à criminalidade.

O método matemático explora uma ampla gama de exposições potenciais relacionadas a um único resultado, usando uma abordagem livre de hipóteses. Nesse caso, os cientistas trabalharam com as múltiplas exposições modificáveis – perinatais, individuais, familiares e escolares – associadas à criminalidade juvenil para identificar novos alvos potenciais para a prevenção do fenômeno. Quando um fator de risco significativo é apontado, como foi a pobreza, pode ser um alvo de políticas de prevenção.

Outra pesquisa também conduzida por Ziebold com a mesma coorte e publicada em dezembro de 2021 já havia mostrado uma associação entre pobreza infantil e maior propensão para desenvolver transtornos mentais externalizantes na juventude, especialmente entre mulheres. Os pesquisadores concluíram que a pobreza e a exposição a situações estressantes, entre elas mortes e conflitos familiares, são fatores de risco evitáveis que precisam ser enfrentados na infância para reduzir o impacto de transtornos mentais na fase adulta.

Resultados

No artigo, o grupo destaca que, embora a pobreza na infância tenha sido o único fator de risco significativamente associado à criminalidade entre jovens, a maioria dos pobres no início do estudo não teve envolvimento com criminalidade na sequência.

“Uma preocupação foi a de não criminalizar a pobreza, mas mostrar que é um fenômeno complexo, cuja exposição do indivíduo a essa situação ao longo da vida gera uma tragédia social. O fenômeno da criminalidade é uma questão social e, possivelmente, somente a punição no caso dos jovens não é adequada. É preciso criar possibilidades reais de reabilitação e dar oportunidades de vida”, completa Gadelha.

Foram entrevistados 1.905 participantes, tanto na linha de base (com idade média de 10 anos) como na avaliação realizada sete anos depois (idade média de 17,8 anos). Desse total, 4,3% dos jovens relataram envolvimento criminal. Entre os tipos mais comuns de crimes cometidos estão roubo, tráfico de drogas e crimes violentos, incluindo um homicídio e uma tentativa de homicídio.

Esses participantes são do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC), uma pesquisa de base comunitária que desde 2010 segue 2.511 famílias com crianças e jovens, à época com idades entre 6 e 10 anos, em Porto Alegre (RS) e São Paulo. Eles participaram de três etapas de avaliação, sendo a última entre 2018 e 2019 – uma nova fase foi iniciada neste ano e deve terminar em meados de 2024.

O BHRC, também conhecido como Projeto Conexão - Mentes do Futuro, é considerado um dos principais acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais em crianças e adolescentes já desenvolvidos na psiquiatria brasileira. É realizado pelo Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O instituto, com mais de 20 universidades brasileiras e internacionais, tem como coordenador-geral o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Eurípedes Constantino Miguel Filho.

Impactos

Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado em março deste ano mostrou que crianças e adolescentes continuam sendo os mais afetados pela pobreza no Brasil – o dobro em comparação aos adultos.

Entre 35% e 45% das crianças e jovens brasileiros, dependendo da faixa etária, viviam com menos de US$ 5,50 ao dia em 2020. Se considerada a pobreza extrema (viver com menos de US$ 1,90/dia), eram cerca de 12%.

Além disso, no final de 2021, a insegurança alimentar atingiu recorde no Brasil, superando a média global e afetando mais mulheres, famílias pobres e pessoas entre 30 e 49 anos. Segundo dados divulgados pelo Centro de Políticas Sociais do FGV Social, a taxa passou de 17% em 2014 para 36% no ano passado, quando a média global foi de 35%.

“Sabemos que os impactos econômicos da pandemia ainda não foram totalmente sentidos, como a insegurança alimentar, a falta de acesso a escolas... A exposição das crianças a adversidades ainda será sentida no futuro”, diz Ziebold.

A pesquisadora destaca ainda que serão necessários outros estudos para entender como as vulnerabilidades dos locais onde as crianças moram podem influenciar a criminalidade praticada por jovens. “Esse tipo de fator tem sido observado em pesquisas em outros países, como nos Estados Unidos, onde aumentam as chances de o jovem cometer crimes se eles morarem em bairros sem estrutura ou com gangues. Esse é um tema para novas pesquisas.”

Cerca de 46 mil jovens em conflito com a lei foram atendidos pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), em 2019, no Brasil. 

Fonte: DCI/Unifesp

 

 

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