Varíola dos macacos: entenda como acontece a transmissão, os sintomas da doença, como diagnosticar e prevenção
O primeiro caso confirmado no Brasil ocorreu em 09 de junho de 2022
O que é a varíola dos macacos?
É uma zoonose (doença que se transmite entre animais e pessoas) causada por um vírus chamado Monkeypox (MPXV), mais conhecido como vírus da varíola dos macacos. Apesar do nome, esse vírus é encontrado em roedores (ratos, esquilos, etc), que podem transmitir para macacos e humanos por mordeduras e arranhões. Assim como os seres humanos, os macacos são considerados hospedeiros, mas são necessários mais estudos para identificar o(s) reservatório(s) exato (s) e como a circulação do vírus é mantida na natureza.
O MPXV pertence ao gênero Orthopoxvirus da família Poxviridae. O gênero Orthopoxvirus também inclui o vírus da varíola humana (smallpox), considerada erradicada no mundo em 1980, o vírus vaccinia (usado na vacina da varíola) e o vírus cowpox.
Desde quando se conhece a varíola dos macacos?
O vírus monkeypox foi descoberto pela primeira vez em 1958, quando dois surtos de uma doença semelhante à varíola ocorreram em macacos transportados da África para a Dinamarca para serem usados em estudos.
O primeiro caso humano de varíola dos macacos foi registrado em 1970, na República Democrática do Congo. Desde então, tem sido relatada em pessoas de vários outros países da África Central e Ocidental. O número de casos vem aumentando exponencialmente nos últimos 20 anos, e já excedeu o número de casos acumulados durante os primeiros 45 anos desde sua identificação. Antes do surto de 2022, quase todos os casos em pessoas fora da África estavam ligados a viagens internacionais para países onde a doença ocorre comumente, ou através de animais importados. De acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC/EUA), já foram confirmados mais de três mil casos em 41 países não endêmicos.
Há mais de uma linhagem do vírus da varíola dos macacos?
Foram descritas duas linhagens principais, a do Congo, que causa doença mais grave com até 10% de mortalidade, e a da África Ocidental, que causa doença raramente fatal (1% de casos fatais). A linhagem identificada no surto de 2022 foi a da África Ocidental. No entanto, pessoas com o sistema imunológico enfraquecido, crianças menores de 5 anos e gestantes podem ter quadros mais graves. A linhagem que tem sido identificada nas amostras de países não endêmicos é a da África Ocidental.
Quais os sintomas dessa doença?
Os sintomas da varíola dos macacos, em sua forma clássica, são inicialmente febre, dor de cabeça, dores musculares e dor nas costas, linfonodos aumentados (em 90% dos casos), calafrio, fadiga. Entre 1 a 3 dias do início da febre surgem lesões na pele, mais concentradas na face e membros do que no tronco. Podem aparecer lesões profundas e bem circunscritas, muitas vezes com umbilicação central e progressão da lesão através de estágios sequenciais específicos (máculas►pápulas►vesículas►pústulas► cicatrizes); isso às vezes pode ser confundido com outras doenças mais comumente encontradas na prática clínica (por exemplo, sífilis secundária, herpes e varicela zoster). Essas lesões podem parecer espinhas ou bolhas que aparecem no rosto, dentro da boca, e em outras partes do corpo como o tronco, mãos, pés, genitais ou ânus. A erupção cutânea passa por diferentes estágios antes de se curar completamente. A doença normalmente dura de 2 a 4 semanas.
Os casos atuais têm se apresentado de forma diferente da forma clássica. As lesões de pele podem ser únicas ou em pequeno número, ocorrendo mais em genitais e região perianal, e preceder os sintomas gerais. Além disso, ao invés das lesões evoluírem em estágios sequenciais, podem ocorrer ao mesmo tempo lesões com diferentes aspectos (pápulas, vesículas, pústulas, etc). Geralmente, os sintomas desaparecem de forma natural. A doença pode ser transmitida desde o início dos sintomas até que a erupção cutânea esteja totalmente curada e uma nova camada de pele tenha se formado.
Como se transmite a varíola dos macacos?
- Transmissão pessoa-pessoa
O vírus pode se espalhar de pessoa para pessoa através do contato direto com as lesões de pele, cicatrizes ou fluidos corporais. Também pode ser espalhado por secreções respiratórias durante contato prolongado, face a face, ou durante contato físico íntimo, como beijo, abraço ou relações sexuais.
Mesmo que não seja considerada uma infecção sexualmente transmissível, a varíola dos macacos pode se espalhar durante o contato físico íntimo ou mesmo tocando superfícies compartilhadas e objetos, como roupas de cama, toalhas e brinquedos sexuais, que foram usados por uma pessoa com varíola dos macacos. Os pesquisadores ainda estão tentando entender melhor se o vírus pode estar presente em sêmen e fluidos vaginais.
Qualquer pessoa pode pegar a varíola dos macacos se tiver contato próximo com alguém que tem o vírus. A observação dos casos recentes tem mostrado que homens gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens compõem um alto número de casos.
- Transmissão animal-pessoa
Em áreas endêmicas, também é possível que as pessoas peguem a doença de animais infectados, seja sendo arranhados ou mordidos pelo animal, geralmente roedores e primatas, ou comendo carne ou usando produtos de um animal infectado.
Quais as medidas de prevenção?
É recomendado evitar contato com pessoas com diagnóstico positivo e higienizar bem as mãos. Em regiões endêmicas, evitar contato com roedores, primatas e manuseio protegido (luvas, máscara, etc) de espécies que são possíveis reservatórios.
Não compartilhar alimentos, objetos de uso pessoal, talheres, pratos, copos, toalhas ou roupas de cama de pessoas com a varíola dos macacos. Entretanto, esses itens poderão ser reutilizados após higienização com detergente comum. Quando hospitalizados os pacientes devem ficar em isolamento com precauções por gotículas e de contato.
Uma pessoa com o vírus pode transmitir ao seu pet?
Não se acredita atualmente que a varíola dos macacos represente um alto risco para os animais de estimação, mas essa possibilidade está sendo acompanhada. Por precaução, o CDC recomenda que as pessoas com varíola dos macacos evitem interagir com animais e encontrem outra pessoa para cuidar dos seus pets enquanto se recuperam.
Como fazer a suspeita e confirmação diagnóstica?
A suspeita da doença é baseada no quadro clínico e epidemiológico, ou seja, na presença de sinais e sintomas sugestivos, contatos com pessoas com quadro clínico da doença, ou história de viagens para regiões endêmicas ou países onde estão ocorrendo casos da doença.
A confirmação da infecção ocorre apenas por meio de teste molecular, o PCR quantitativo (q-PCR), seguido da técnica de sequenciamento, realizados com amostras coletadas de SWAB das lesões de pele e SWAB oral.
Quais tratamentos estão disponíveis?
Não há tratamentos especificamente para a varíola dos macacos. O tratamento é concentrado em aliviar os sintomas, acompanhando possíveis complicações e prevenindo sequelas a longo prazo.
Alguns antivirais como Brincidofovir e Tecovirimat estão disponíveis, em alguns países, para pessoas que são mais propensas a adoecer gravemente, como pacientes imunodeficientes. A Organização Mundial da Saúde recomenda que o uso desses antivirais seja apenas feito em contexto de estudos clínicos, com coletas de dados para acompanhamento e documentação adequada.
Existem vacinas disponíveis?
Estudos observacionais demonstraram que a vacina da varíola humana se mostrou 85% efetiva na prevenção da varíola dos macacos. Atualmente, as vacinas originais da varíola (1ª geração) não estão mais disponíveis para o público.
Segundo informação do CDC (EUA) há dois tipos de vacinas licenciadas naquele país — JYNNEOS e ACAM2000 — que podem prevenir a varíola dos macacos em pessoas que foram expostas ao vírus. A vacinação universal não está indicada e não há vacinas suficientes no mundo para uma vacinação em massa. No entanto, a vacinação pode ser recomendada para algumas pessoas como profilaxia pós-exposição (até 5 dias do contato, preferencialmente até o 3º dia), como contatos pessoais próximos de pacientes com a varíola dos macacos, ou pessoas com risco de serem expostas ao vírus, como profissionais da saúde expostos à doença. Se dada entre 4 a 14 dias após a data de exposição, a vacinação pode reduzir os sintomas da doença, mas pode não prevenir a doença. A vacina JYNNEOS (3ª geração) é uma vacina não replicante, com poucos efeitos colaterais.
E a situação epidemiológica no Brasil?
O primeiro caso confirmado no Brasil ocorreu em 09 de junho de 2022. Até 02/07/2022 foram confirmados 76 casos, sendo 75 homens e uma mulher. Como esses dados estão em constante atualização, recomenda-se acompanhar a Sala de Situação do Ministério da Saúde, instalada em 23 de maio, que monitora as notificações de casos de Monkeypox no mundo e, no Brasil, além do monitoramento, também é realizada a investigação dos casos, assim como a elaboração de documentos técnicos.
Fotos: Fonte Organização Mundial da Saúde
Referências
- About Monkeypox | Monkeypox | Poxvirus | CDC. Acessado em 10/07/2022.
- Monkeypox (who.int) Mo. Acessado em 10/07/2022.
- Petersen E, Kantele A, Koopmans M, Asogun D, Yinka-Ogunleye A, Ihekweazu C, Zumla A. Human Monkeypox: Epidemiologic and Clinical Characteristics, Diagnosis, and Prevention. Infect Dis Clin North Am. 2019 Dec;33(4):1027-1043. doi: 10.1016/j.idc.2019.03.001. Epub 2019 Apr 11. PMID: 30981594.
- Use of Vaccinia Virus Smallpox Vaccine in Laboratory and Health Care Personnel at Risk for Occupational Exposure to Orthopoxviruses – Recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), 2015Source: MMWR 2016, 65(10);257–262.
- Clinical Guidelines for Smallpox Vaccine Use in a Postevent Vaccination ProgramSource: MMWR 2015, 64(RR02);1-26.
Daisy Maria Machado
Médica formada em 1985 pela Escola Paulista de Medicina (EPM), fez mestrado pela Disciplina de Infectologia Pediátrica na EPM-Unifesp (1994), Doutorado “Sanduiche” na Universidade da Califórnia, São Francisco- UCSF (1999) e pós-Doutorado na Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP (2010). Atua nas áreas de assistência, ensino e pesquisa como Professora Adjunta e Chefe da Disciplina de Infectologia Pediátrica, Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina- Unifesp. Outras informações: clique aqui
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