Inquérito conduzido por docentes da Unifesp revela disparidades socioeconômicas e destaca a...
Desospitalização de crianças diagnosticadas com condições crônicas complexas
20 anos de conquistas e desafios da Pediatria do Hospital São Paulo
Fonte: SBNPed
Crianças com condições crônicas complexas são aquelas com “condições que perdurem ao menos 12 meses (ou que a morte intervenha antes), que acometem um ou mais sistemas de órgãos, geralmente graves e/ou associadas a vulnerabilidade clínica, e que necessitem de atendimento pediátrico especializado”1,2.
Estas condições demandam cuidados específicos e contínuos: vários profissionais de saúde, equipes domiciliares, medicamentos, serviços de saúde especializados, consultas ambulatoriais, hospitalizações recorrentes, visitas à emergência e equipamentos de suporte. Apresentam ainda limitação funcional, quase sempre requerendo assistência tecnológica, na capacidade de executar funções corporais básicas, como por exemplo a necessidade de auxílio para comer, beber, respirar, andar3.
Desospitalizações, promoção de funcionalidade, qualidade de vida e manutenção da dinâmica familiar dentro das possibilidades contextuais configuram importantes desafios da Pediatria do Hospital São Paulo. Desde 2001, crianças com doenças crônicas, progressivas e degenerativas, com necessidade de suporte ventilatório, após internações prolongadas, vêm conseguindo voltar para casa.
Acesso
Algumas políticas públicas instituídas e o Estatuto da Criança e do Adolescente visam promover o acesso desses pacientes ao cuidado domiciliar. Determinadas medidas são destinadas a grupos específicos, mas podem ser ampliadas para outras condições, como aquelas que estabelecem redução social da tarifa de energia elétrica para o uso de suporte ventilatório em domicílio e o fornecimento de nutrição enteral e medicamentos especiais. Apesar da presença destas políticas, ainda identificamos dificuldades burocráticas para desospitalização, com necessidade de diversas tratativas da equipe assistente, algumas recusas e re-solicitações, até que todo o suporte necessário seja fornecido pelas entidades dos locais de residência dos pacientes4-6.
Algumas etapas deste processo precisam ser seguidas para o sucesso das tratativas:
- Conhecer e compreender a família em seus limites e possibilidades;
- Traçar um perfil socioeconômico com informações fundamentais;
- Reconhecer a família como exatamente é e não como gostaríamos que fosse;
- Escuta e acolhimento, reconhecimento do momento adequado para a abordagem;
- Necessidade de várias entrevistas;
- Conhecer a rede de suporte social (RAS) nas proximidades da residência: entidades, como instituições, grupos formais, amigos, vizinhos, com quem a família pode contar em casos de necessidade, tão mais suficientes e eficazes quanto maior disponibilidade e segurança.
Durante este processo, é necessário observar se há condições adequadas para o cuidado com este paciente em domicílio quanto a questões financeiras, emocionais, organizacionais, local de moradia, etc7.
Apesar do sucesso em algumas desospitalizações, muitos desafios são evidenciados:
- Precariedade e insuficiência das redes de suporte social,
- Dificuldades em comparecer às consultas e serviços ambulatoriais de seguimento,
- Encaminhamentos adequados para recursos da região,
- Assistência domiciliar do bairro/município do local de moradia do paciente,
- Logística para transporte adequado,
- Garantia do fornecimento de todos os insumos,
- Fluxos e protocolos de funcionamento das redes de atenção à saúde,
- Condições de moradia inadequadas8.
Foi realizado um levantamento com pacientes desospitalizados entre 2009 e 2013, com 10 pacientes, sendo 3 do sexo masculino e 7 menores de 1 ano. Observamos maior incidência de dependência de tecnologia não invasiva e maior impacto em crianças mais novas e, no tocante aos adolescentes, impacto na inserção social. Evidenciamos que o importante é garantir “condições para que as dificuldades não sejam um entrave permanente à realização de suas potencialidades”9.
A maior parte dos cuidadores tinha escolaridade até o ensino fundamental completo. O menor grau de instrução sugere uma maior dificuldade no manuseio com aparelhos complexos, o que pode constituir um maior desafio para o tratamento de crianças com necessidade de tecnologias de suporte10.
Perfil das famílias
Oitenta por cento das famílias deste estudo apresentaram uma renda de no máximo 2 salários mínimos; nessa situação de baixa renda, o cuidado com o paciente encontrará maiores dificuldades, demandando maior e mais detalhada atenção11.
O tempo médio de programação de alta na ocasião do levantamento foi entre 100 a 300 dias desde a primeira entrevista até a alta efetivamente realizada. Foram constituintes deste percurso as condições de saúde do paciente, a mobilização de recursos variados e nem sempre disponíveis, e o preparo do cuidador principal no tocante à higienização, administração de dieta, aspirações de dispositivos respiratórios, dentre outros12. No momento de alta, é elaborado, em conjunto com equipe de saúde e entregue aos cuidadores, um material informativo impresso para elucidação das dúvidas remanescentes: serviços de saúde a procurar em casos de intercorrências, manejos e situações que demandam atenções específicas, dentre outros. ( fig.1).
Início das atividades do Grupo Girafa
Desde 2014, o grupo de Bioética e Cuidados Paliativos Pediátricos (Grupo Girafa) do Departamento de Pediatria da Escola Paulisa de Medicina - Unifesp/EPM tem acompanhado estes pacientes e suas famílias, realizando suporte durante internação e desospitalização, mantendo inclusive discussões e comunicação com equipes domiciliares que atendem ao paciente.
Alguns passos ainda são necessários para facilitar as desospitalizações, uma vez que há poucas políticas específicas para estas crianças; isto acarreta longa permanência hospitalar, maior exposição a intercorrências, maior custo ao sistema de saúde e elevado ônus psicossocial familiar. É necessário fomentar uma cultura de desospitalização, realizá-la de modo programado, estabelecendo trabalho articulado em rede e parcerias (intersetoriais) entre o setor de saúde e o poder judiciário, espaços de educação permanente para as equipes, qualificação e cuidado para cuidadores, qualificação profissional para o cuidado em domicílio, e identificar casos com indicação de alta domiciliar ainda na fase pré-hospitalar13.
Grupo Girafa - Assistência Pediátrica na Unifesp
O Grupo Girafa é um grupo integrado de apoio às famílias e às crianças - Cuidados Paliativos Pediátricos do Departamento de Pediatria da Escola Paulisa de Medicina - Unifesp/EPM.
A equipe é multiprofissional e tem como propósito difundir o Cuidado Paliativo Pediátrico e trazer pertencimento às crianças com doenças limitantes ou ameaçadoras de vida, cuidando com qualidade técnica, amor, compaixão e dedicação.
Composição da equipe
Simone Brasil de Oliveira Iglesias |
Aline Maria de Oliveira Rocha |
Roseli Aparecida Monteiro Robles |
Silvia Mara Joppert |
Cecília Micheletti |
Selma Cristina da Silva Borba |
Nádia Takako Bernardes Suda |
Carlota Vitória Blassioli Moraes |
Camila Nunes Thomaz de Almeida |
Bibliografia
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