Inquérito conduzido por docentes da Unifesp revela disparidades socioeconômicas e destaca a...
Prematuridade: da Atenção Primária ao seguimento ambulatorial
O seguimento do cuidado do prematuro de risco após a alta hospitalar é conhecido como "follow-up"
Cuidar do bebê prematuro e de sua família no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) atribui grande responsabilidade e desafios ao sistema e aos profissionais de saúde que nela atuam. Frente às inúmeras demandas de atenção e cuidado, torna-se primordial a articulação em rede para o cuidado integral do prematuro e de sua família, compreendendo que a criança é um ser em desenvolvimento com suas particularidades, e que a família necessita de apoio para promover o desenvolvimento pleno. A criança prematura, sobretudo a egressa da Unidade de Terapia Neonatal (UTIN), transita pelos três níveis de atenção em saúde, partindo e retornando continuamente da APS para a atenção terciária e secundária, e vice-versa.
Em alguns casos, o cuidado ao bebê prematuro e sua família inicia antes mesmo do nascimento, quando se identifica uma gestação de risco durante o pré-natal na APS. Na alta do prematuro, a articulação do serviço de atenção terciária com o da atenção primária faz-se necessário, sobretudo, porque a promoção e o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento integral dessa criança, elencados como um dos eixos estratégicos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), será realizada pela Unidade Básica de Saúde (UBS) e a Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Imagem: Internet
Nascer prematuramente (abaixo de 37 semanas) e com baixo peso (menos de 2.500g) são caracterizadas como situações de vulnerabilidade pelo Ministério da Saúde, requerendo um acompanhamento com maior periodicidade e atenção dentro da consulta de puericultura na APS. Importante ressaltar que as taxas de morbimortalidade após a alta hospitalar são maiores dentre os recém-nascidos que ficaram hospitalizados em UTIN, sendo intrinsecamente interligada às condições de gestação, nascimento, parto e tempo de internação hospitalar.
Recém-nascidos prematuros de muito baixo peso ao nascer (menos de 1.500g) e com acometimentos de saúde, como os neurológicos, necessitam de atendimento ambulatorial especializado em várias frentes, como neurologia, nutrição, fisioterapia, dentre outras, sendo relevante a articulação em rede da APS com os serviços da atenção secundária. Este acompanhamento é conhecido como seguimento ou follow-up do prematuro e objetiva primariamente reduzir a mortalidade no período neonatal, a incidência de morbidades crônicas que envolvem déficit de crescimento e atraso no neurodesenvolvimento.1
Follow-up do prematuro
O Ambulatório de Prematuros da EPM/Unifesp é considerado o melhor modelo de assistência ao prematuro no país devido às características especiais que o distinguem.
O Brasil é o 10º país em número de nascidos vivos prematuros segundo relatório da Organização Mundial de Saúde e a prematuridade é a principal causa de óbito nos primeiros 5 anos de vida. Diante deste cenário, além dos essenciais avanços científicos e tecnológicos em terapia intensiva neonatal, com seu consequente impacto na redução da mortalidade desta população, torna-se cada vez mais urgente suprir a crescente necessidade por serviços especializados em seguimento ambulatorial de prematuros, com foco em suas especificidades.
É nesse sentido que a Disciplina de Pediatria Neonatal da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) cumpre papel de destaque em promover assistência multiprofissional de excelência às crianças e adolescentes nascidos prematuros, além da capacitação de profissionais de diversas áreas. Com base nessa missão, foi criado em 1981 o Ambulatório de Prematuros da EPM/Unifesp com o objetivo de prestar assistência a crianças nascidas prematuras, desde a alta hospitalar até o início da idade adulta (20 anos), buscando promover seu crescimento e desenvolvimento global. O Ambulatório é considerado o melhor modelo de assistência ao prematuro no país devido às características especiais que o distinguem – acompanhamento multiprofissional altamente especializado e integrado, com todos os profissionais das diversas áreas atuando no mesmo local e compartilhando as decisões e os cuidados.
Os quadrigêmeos nasceram prematuros de 33 semanas, eles tinham baixo peso, mas boa saúde, e foram para a UTI Neonatal para monitoramento e ganho de peso. Um a um, receberam alta do hospital. O apoio foi essencial para o custeio de fórmulas lácteas, fraldas, fisioterapia preventiva e acompanhamento do desenvolvimento das crianças. Além disso, o quarteto teve acompanhamento odontológico ao longo da vida. Hoje os quadrigêmeos já são maiores de idade e as idas ao Ambulatório de Prematuros são raras. Imagem: Instituto do Prematuro
Repercussões da prematuridade
Os profissionais que cuidam de indivíduos nascidos prematuros devem ter conhecimento dessas repercussões, incluírem essas informações no histórico de seus pacientes e ter atenção especial com imunização, prevenção de fumo, evitar o uso de drogas nefrotóxicas, incentivar a nutrição saudável, prevenir a obesidade e estimular atividades físicas, entre suas orientações.
Dentre as repercussões da prematuridade ao longo da vida do indivíduo encontram-se como mais frequentes: as motoras (12%), visuais (10%), auditivas (6%), de linguagem (21%), além de alterações comportamentais, como déficit de atenção e hiperatividade (20%) e transtorno do espectro do autismo (6%). Os prematuros também têm maior risco de dificuldade escolar, déficits de funções executivas e de transtornos psiquiátricos como depressão. Soma-se, ainda, maior frequência de déficits de crescimento, anemia e doenças gastrointestinais como síndrome do intestino curto.
Em decorrência do menor período de desenvolvimento intra-útero dos vários órgãos e, consequentemente, a exposição a terapias necessárias para sua sobrevivência, prematuros têm risco de desenvolver doença respiratória crônica, cardíaca, renal e endócrina até a idade adulta.
Crianças e adultos jovens nascidos prematuros apresentam maior frequência de sintomas respiratórios e declínio mais rápido da função pulmonar no decorrer da vida e maior risco de asma. A nefrogênese em prematuros também é alterada e adultos nascidos prematuros têm maior risco de glomeruloesclerose segmentar e focal, de hipertensão arterial sistêmica e de doença renal crônica.
Os estudos sobre função cardíaca são poucos, mas alguns mostram resposta cardíaca limitada aos exercícios em adultos saudáveis nascidos prematuros, sugerindo disfunção cardíaca. O risco de hipertensão arterial sistêmica é bem estabelecido, com aumento significante para elevar o risco de doença coronariana e acidente vascular cerebral.
O nascimento prematuro aumenta o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 1, diabetes tipo 2 e resistência à insulina e também de preencher critérios para síndrome metabólica. Esse conhecimento é fundamental para promoção da saúde, os profissionais que cuidam de indivíduos nascidos prematuros devem ter conhecimento dessas repercussões, incluírem essas informações no histórico de seus pacientes e ter atenção especial com imunização, prevenção de fumo, evitar o uso de drogas nefrotóxicas, incentivar a nutrição saudável, prevenir a obesidade e estimular atividades físicas, entre suas orientações.
Desafios da assistência
Apesar da necessidade do acompanhamento especializado de todos os prematuros que estão inseridos na comunidade, o cuidado ainda é fragmentado e carece de intervenções específicas, não existindo ações focadas na promoção da saúde e bem-estar dessa população2, as quais constituem um dos focos da Atenção Primária à Saúde. As Redes de Atenção à Saúde (RAS) configuram-se como a principal referência dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) para acabar com a fragmentação dos sistemas de saúde, sendo a APS central na coordenação desse modelo. No entanto, ainda não conseguimos vislumbrar um caminho para, de fato, operacionalizar a RAS.
É preciso considerar que investir na criança é investir no futuro da sociedade. Quando se acompanha um prematuro egresso da UTIN também se garante o investimento em sobrevida realizado nessas crianças previamente dentro dessas unidades.
Além do desafio presente para garantir o cuidado articulado ao prematuro por meio das RAS, há famílias que evadem do seguimento ambulatorial e, como a rede é frágil, muitas vezes a APS que atende a criança desconhece a descontinuidade do acompanhamento.
São elencados como fatores que induzem à evasão do programa de seguimento e que devem ser pontos de atenção da equipe multiprofissional que acompanha o prematuro e sua família:
- Distância do local onde se mora e se realiza o acompanhamento;
- Crianças que tiveram pouco tempo de internação;
- Neonatos que não foram reanimados ao nascimento, que não fazem uso de tecnologias ou de medicação contínua no domicílio;
- Famílias com situação financeira precária;
- Mães que não têm apoio familiar e aquelas que não tem informações suficientes sobre a necessidade de seus filhos receberem cuidados diferenciados.3
É preciso considerar que investir na criança é investir no futuro da sociedade. Quando se acompanha um prematuro egresso da UTIN também se garante o investimento em sobrevida realizado nessas crianças previamente dentro dessas unidades. Cabe à APS realizar esse investimento por meio do acompanhamento de forma interdisciplinar, gerenciamento das RAS e prestação de assistência considerando o potencial desse ser humano e sua contribuição para a sociedade futura.
O Ambulatório de Prematuros da EPM/Unifesp oferece assistência médica e multiprofissional para bebês prematuros carentes nascidos em três instituições de saúde: o Hospital São Paulo, o Hospital Municipal Vereador José Storopolli e o Hospital Estadual de Diadema. Imagem: Instituto do Prematuro
Ambulatório de Prematuros da EPM/Unifesp
Desde março de 1997 o Ambulatório está sediado num imóvel que cumpre papel importante no sentido de promover a aproximação dos profissionais, além do benefício de estimular o vínculo das famílias com a instituição ao se concentrar a assistência em um mesmo local físico.
O atendimento de rotina no Ambulatório de Prematuros da EPM/Unifesp inclui consultas periódicas com o neonatologista, neurologista infantil, oftalmologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, odontologista, nutricionista, psicólogo, neuropsicólogo e assistente social. A formação e o aprimoramento da equipe do ambulatório têm sido orientados pelos conhecimentos científicos relacionados à evolução de crianças e adolescentes nascidos prematuros. Além disso, a visão integrada dos profissionais das diversas áreas de atuação é fundamental por se tratar de um grupo muito específico de pacientes, particularmente os prematuros de muito baixo peso ao nascer (peso <1.500 g), com maior risco de sequelas passíveis de serem evitadas ou minimizadas quando tratadas precocemente. A integração da equipe promove o cuidado de alta qualidade para os prematuros, contribuindo para melhorar sua evolução.
Desde março de 1997 o Ambulatório está sediado num imóvel que cumpre papel importante no sentido de promover a aproximação dos profissionais, além do benefício de estimular o vínculo das famílias com a instituição ao se concentrar a assistência em um mesmo local físico. No Ambulatório são atendidos prematuros com idade gestacional inferior a 34 semanas nascidos em hospitais do SUS e uma parcela expressiva dessa população tem problemas econômicos e sociais graves, que podem agravar os déficits de crescimento e desenvolvimento associados à prematuridade. Nesse sentido, as crianças e adolescentes acompanhados no ambulatório recebem apoio social do Instituto do Prematuro, organização criada primordialmente com essa finalidade, para tentar minimizar o impacto da vulnerabilidade social na saúde dos pacientes.
Em março de 2023 foi lançado o livro "Prematuridade: Prevenção, diagnóstico e tratamento de suas repercussões". Essa obra é resultado da experiência adquirida no Ambulatório de Prematuros ao longo dessas quatro décadas e certamente contribuirá com o aperfeiçoamento dos profissionais e da qualidade da assistência prestada aos nossos prematuros.
Referências
1.Brasil. Sociedade Brasileira de Pediatria. Seguimento ambulatorial do Prematuro de Risco. 2012
2. Gomez C.C, Maya AM, Gonzalez AC. Los recién nacidos muy prematuros: dificultades en la escuela. Enfermería global, 2019. 18(55): 554-66.
3. Xavier JS, Bernardino FBS, Gaíva MAM. Research, Society and Development. 2020; 9(11).
Autoras
Ana Lucia Goulart
Professora associada do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Médica pediatra, atuando principalmente nos seguintes temas: nutrição, crescimento e desenvolvimento de recém-nascidos, crianças e adolescentes nascidos prematuros. É coordenadora do Ambulatório de Prematuros da Disciplina de Pediatria Neonatal da EPM/Unifesp desde 1997. Desenvolve linha de pesquisa na área de Neonatologia, com ênfase em Crescimento e Desenvolvimento de Prematuros. Outras informações, clique aqui.
Andréia Cascaes Cruz
Professora adjunta do Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo (EPE/Unifesp). Enfermeira especializada em Neonatologia. Pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Intervenção Familiar (LEPIF) e do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente e Família (NECAd). Pesquisadora nas áreas de Enfermagem da Família, Cuidado Centrado na Família, Enfermagem em Neonatologia e Enfermagem Pediátrica. Outras informações, clique aqui.
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