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Desospitalização de crianças diagnosticadas com condições crônicas complexas

Publicado: Quarta, 27 de Abril de 2022, 08h00 | Última atualização em Quarta, 27 de Abril de 2022, 11h13 | Acessos: 47742

20 anos de conquistas e desafios da Pediatria do Hospital São Paulo

desospitalização
Fonte: SBNPed

Crianças com condições crônicas complexas são aquelas com “condições que perdurem ao menos 12 meses (ou que a morte intervenha antes), que acometem um ou mais sistemas de órgãos, geralmente graves e/ou associadas a vulnerabilidade clínica, e que necessitem de atendimento pediátrico especializado”1,2.

Estas condições demandam cuidados específicos e contínuos: vários profissionais de saúde, equipes domiciliares, medicamentos, serviços de saúde especializados, consultas ambulatoriais, hospitalizações recorrentes, visitas à emergência e equipamentos de suporte. Apresentam ainda limitação funcional, quase sempre requerendo assistência tecnológica, na capacidade de executar funções corporais básicas, como por exemplo a necessidade de auxílio para comer, beber, respirar, andar3.

Desospitalizações, promoção de funcionalidade, qualidade de vida e manutenção da dinâmica familiar dentro das possibilidades contextuais configuram importantes desafios da Pediatria do Hospital São Paulo. Desde 2001, crianças com doenças crônicas, progressivas e degenerativas, com necessidade de suporte ventilatório, após internações prolongadas, vêm conseguindo voltar para casa.

Acesso

Algumas políticas públicas instituídas e o Estatuto da Criança e do Adolescente visam promover o acesso desses pacientes ao cuidado domiciliar.  Determinadas medidas são destinadas a grupos específicos, mas podem ser ampliadas para outras condições, como aquelas que estabelecem redução social da tarifa de energia elétrica para o uso de suporte ventilatório em domicílio e o fornecimento de nutrição enteral e medicamentos especiais. Apesar da presença destas políticas, ainda identificamos dificuldades burocráticas para desospitalização, com necessidade de diversas tratativas da equipe assistente, algumas recusas e re-solicitações, até que todo o suporte necessário seja fornecido pelas entidades dos locais de residência dos pacientes4-6.

Algumas etapas deste processo precisam ser seguidas para o sucesso das tratativas:

  • Conhecer e compreender a família em seus limites e possibilidades;
  • Traçar um perfil socioeconômico com informações fundamentais;
  • Reconhecer a família como exatamente é e não como gostaríamos que fosse;
  • Escuta e acolhimento, reconhecimento do momento adequado para a abordagem;
  • Necessidade de várias entrevistas;
  • Conhecer a rede de suporte social (RAS) nas proximidades da residência: entidades, como instituições, grupos formais, amigos, vizinhos, com quem a família pode contar em casos de necessidade, tão mais suficientes e eficazes quanto maior disponibilidade e segurança.

Durante este processo, é necessário observar se há condições adequadas para o cuidado com este paciente em domicílio quanto a questões financeiras, emocionais, organizacionais, local de moradia, etc7.

Apesar do sucesso em algumas desospitalizações, muitos desafios são evidenciados:

  • Precariedade e insuficiência das redes de suporte social,
  • Dificuldades em comparecer às consultas e serviços ambulatoriais de seguimento,
  • Encaminhamentos adequados para recursos da região,
  • Assistência domiciliar do bairro/município do local de moradia do paciente,
  • Logística para transporte adequado,
  • Garantia do fornecimento de todos os insumos,
  • Fluxos e protocolos de funcionamento das redes de atenção à saúde, 
  • Condições de moradia inadequadas8.

Foi realizado um levantamento com pacientes desospitalizados entre 2009 e 2013, com 10 pacientes, sendo 3 do sexo masculino e 7 menores de 1 ano. Observamos maior incidência de dependência de tecnologia não invasiva e maior impacto em crianças mais novas e, no tocante aos adolescentes, impacto na inserção social. Evidenciamos que o importante é garantir “condições para que as dificuldades não sejam um entrave permanente à realização de suas potencialidades”9.

A maior parte dos cuidadores tinha escolaridade até o ensino fundamental completo. O menor grau de instrução sugere uma maior dificuldade no manuseio com aparelhos complexos, o que pode constituir um maior desafio para o tratamento de crianças com necessidade de tecnologias de suporte10.

Perfil das famílias

Oitenta por cento das famílias deste estudo apresentaram uma renda de no máximo 2 salários mínimos; nessa situação de baixa renda, o cuidado com o paciente encontrará maiores dificuldades, demandando maior e mais detalhada atenção11.

O tempo médio de programação de alta na ocasião do levantamento foi entre 100 a 300 dias desde a primeira entrevista até a alta efetivamente realizada. Foram constituintes deste percurso as condições de saúde do paciente, a mobilização de recursos variados e nem sempre disponíveis, e o preparo do cuidador principal no tocante à higienização, administração de dieta, aspirações de dispositivos respiratórios, dentre outros12. No momento de alta, é elaborado, em conjunto com equipe de saúde e entregue aos cuidadores, um material informativo impresso para elucidação das dúvidas remanescentes: serviços de saúde a procurar em casos de intercorrências, manejos e situações que demandam atenções específicas, dentre outros. ( fig.1).

figura1

Início das atividades do Grupo Girafa

Desde 2014, o grupo de Bioética e Cuidados Paliativos Pediátricos (Grupo Girafa) do Departamento de Pediatria da Escola Paulisa de Medicina -  Unifesp/EPM tem acompanhado estes pacientes e suas famílias, realizando suporte durante internação e desospitalização, mantendo inclusive discussões e comunicação com equipes domiciliares que atendem ao paciente.

Alguns passos ainda são necessários para facilitar as desospitalizações, uma vez que há poucas políticas específicas para estas crianças; isto acarreta longa permanência hospitalar, maior exposição a intercorrências, maior custo ao sistema de saúde e elevado ônus psicossocial familiar. É necessário fomentar uma cultura de desospitalização, realizá-la de modo programado, estabelecendo trabalho articulado em rede e parcerias (intersetoriais) entre o setor de saúde e o poder judiciário, espaços de educação permanente para as equipes, qualificação e cuidado para cuidadores, qualificação profissional para o cuidado em domicílio, e identificar casos com indicação de alta domiciliar ainda na fase pré-hospitalar13.

Grupo Girafa - Assistência Pediátrica na Unifesp

O Grupo Girafa é um grupo integrado de apoio às famílias e às crianças - Cuidados Paliativos Pediátricos do Departamento de Pediatria da Escola Paulisa de Medicina -  Unifesp/EPM.

grupo girafa

A equipe é multiprofissional e tem como propósito difundir o Cuidado Paliativo Pediátrico e trazer pertencimento às crianças com doenças limitantes ou ameaçadoras de vida, cuidando com qualidade técnica, amor, compaixão e dedicação.

Composição da equipe

Simone Brasil de Oliveira Iglesias
Pediatra intensivista, nutróloga, bioeticista e paliativista. .Mais informações: clique aqui

Aline Maria de Oliveira Rocha
Pediatra reumatologista e paliativista. Mais informações: clique aqui

Roseli Aparecida Monteiro Robles
Assistente social da pediatria e paliativista. Mais informações: clique aqui

Silvia Mara Joppert
Psicóloga coordenadora do Serviço de Saúde Mental da pediatria e paliativista.

Cecília Micheletti
Pediatra coordenadora do Ambulatório de Pediatria e geneticista. Mais informações: clique aqui

Selma Cristina da Silva Borba
Enfermeira Pediátrica e coordenadora da Unidade de Pediatria Clínica. Mais informações: clique aqui

Nádia Takako Bernardes Suda
Farmacêutica das Unidades de Cuidados em Pediatria, gestora em saúde, qualidade em saúde e segurança do paciente. Mais informações: clique aqui

Carlota Vitória Blassioli Moraes
Pediatra oncologista e paliativista. Mais informações: clique aqui

Camila Nunes Thomaz de Almeida
Assistente social. Mais informações: clique aqui

 

Bibliografia 

  1. Cohen E, Kuo DZ, Agrawal R, Berry JG, Bhagat SKM, Simon TD, et al. Children with medical complexity: an emerging population for clinical and research initiatives. Pediatrics 2011; 127:529-38.
  2. Iglesias SOB, Zollner ACR, Constantino CF. Cuidados paliativos pediátricos. Resid Pediatr. 2016;6(Supl.1):46-54.
  3. Chambers L, Dodd W, McCulloch R, McNamara-Goodger K, Thompson ADW. A Guide to the Development of
    Children’s Palliative Care Services. [Internet] 2003. [Acesso em 02 de agosto de 2020]. Disponível em: http://www.rcpcf.ru/Files/pdf/ACT. 
  4. Wood F, Simpson S, Barnes E, Hain R. Disease trajectories and ACT/RCPCH categories in paediatric palliative care. Palliat Med. 2010;24:796–806. 
  5. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria nº370, 04 de julho de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa de Assistência Ventilatória Não Invasiva aos Portadores de Doenças Neuromusculares. Diário oficial da união.
  6. ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas. 5ª edição. São Paulo: Cortez; Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais-PUC-SP, 2010.
  7. CASTEL, Robert et alli. Desigualdade e a questão social. 2ª edição revista e ampliada . São Paulo: Educ, 2004.
  8. FLORIANI, Ciro A. “Cuidados paliativos no domicílio: desafios aos cuidados de crianças dependentes de tecnologia”. In: Jornal de Pediatria. Vol. 86, nº 1. Porto Alegre: Jan./Fev. 2010.
  9. Camila Nunes Thomaz de Almeida. Alta Hospitalar De Paciente Com Doença Crônica Dependente De Tecnologia: Uma Experiência Pediátrica. Trabalho de Conclusão de Curso na Residência Multiprofissional em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de São Paulo. 2014.
  10. LEITE, Noélia Silva Ladislau & CUNHA, Sueli Rezende. “A família da criança dependente de tecnologia: aspectos fundamentais para a prática de enfermagem no ambiente hospitalar”. Escola Anna Nery. Vol. 11 nº 1. Rio de Janeiro, março de 2007.
  11. LEITE, Noélia Silva Ladislau et al. “Empoderamento das famílias de crianças dependentes de tecnologia: desafios conceituais e a educação crítico-reflexiva freireana”. Revista de Enfermagem UFRJ. Rio de Janeiro, 2011. p. 152-156.
  12. MARTINELLI, Maria Lúcia. O trabalho do assistente social em contextos hospitalares: desafios cotidianos. Serviço Social e Sociedade número 107. São Paulo. Jul./Set. 2011.
    NÓBREGA VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev. Eletr. Enf. [Internet] 2010;12(3):431-40.

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