EPE recebe visita de pesquisadora Universidade da California San Diego
Linha de pesquisa da visitante foca no uso de IA para identificar intercorrências da amamentação para suporte a amamentação simplificado, mais rápido e preciso
Em um passo em direção ao uso de inteligência artificial (IA) para fornecer cuidados de lactação mais rápidos e precisos para mães que amamentam, engenheiros da Universidade da Califórnia em San Diego desenvolveram uma ferramenta para identificar condições relacionadas à amamentação a partir de imagens simples de telefone. A ferramenta utiliza redes neurais para identificar e classificar uma imagem de uma mama como saudável ou com uma das seis condições comuns relacionadas à amamentação. O objetivo é usar essa ferramenta para permitir que consultores de lactação triem virtualmente os pacientes com base na urgência de suas necessidades e ajudem a informar as mães quando procurar ajuda profissional para evitar o agravamento dos sintomas. Os pesquisadores publicaram suas descobertas no Journal of Medical Internet Research em 24 de junho de 2024. Embora os benefícios da amamentação para a mãe e o bebê sejam bem documentados, a Organização Mundial da Saúde estima que menos da metade dos bebês com menos de seis meses de idade são amamentados exclusivamente. Condições dolorosas, como feridas nos mamilos e mastite — que afetam 80% e 20% das mães dos EUA, respectivamente — desempenham um grande papel na decisão de uma família de parar de amamentar. O acesso a consultoras de lactação que possam avaliar essas condições e fornecer soluções e tratamentos é escasso nos EUA e em todo o mundo, com opções de telemedicina ou virtuais muito limitadas em muitas partes do mundo.
Jessica de Souza, uma estudante de pós-graduação em engenharia elétrica e de computação na Universidade da Califórnia em San Diego e primeira autora do estudo, queria encontrar uma maneira de agilizar o acesso e tornar esse atendimento disponível para mais mães no Brasil. Depois de conduzir pesquisas e grupos focais com consultoras de lactação, Jessica descobriu em seu estudo que muitas consultoras de lactação no Brasil usam a plataforma de mensagens Whatsapp para se comunicar com clientes. Ela descobriu que essas profissionais estavam sobrecarregadas pela demanda por seus serviços e não tinham como fazer a triagem de quem precisava de ajuda urgentemente e quem precisava de suporte presencial ou remoto.
A disponibilidade de consultoras de lactação certificadas é limitada até mesmo nos EUA, onde há 194 bebês nascidos por ano para cada consultora de lactação disponível. Em países de baixa e média renda, como o Brasil, a situação é ainda mais terrível: 2,6 milhões de bebês nasceram no Brasil em 2021, com cerca de 250 consultoras de lactação certificadas em todo o país. Isso ressalta a necessidade de melhores ferramentas para melhorar o acesso virtual a esse cuidado. “Ao trabalhar com as consultoras de lactação, ficou claro que as complicações da amamentação eram uma das razões mais frequentes pelas quais os pacientes precisavam de atendimento remoto de urgência. Por esse motivo, elas queriam uma ferramenta que ajudasse as consultoras de lactação a classificar o nível de urgência de uma mãe que enfrenta dor no peito em sua plataforma de comunicação online, para que pudessem determinar o tipo de visita que cada cliente precisa”, disse Jessica. “Se uma mãe pudesse enviar uma foto da mama e tivesse a ferramenta para identificar quaisquer condições específicas para a consultora de lactação, isso a ajudaria a priorizar chamadas ou visitas com mães com problemas mais graves e poderia um dia potencialmente até mesmo compartilhar automaticamente conselhos ou recomendações para clientes com complicações menores, especialmente com as ferramentas que temos disponíveis hoje, como assistentes virtuais.”
Em um primeiro passo para desenvolver tal ferramenta, Jessica e colegas do Laboratório de Tecnologias Digitais Para a Saúde do Professor Edward Wang na Escola de Engenharia Jacobs da UC San Diego e no Laboratório de Design da UC San Diego, estudaram a eficácia de cinco diferentes redes neurais convolucionais — um tipo de modelo de inteligência artificial — na detecção de se uma imagem de uma mama retratava uma mama saudável ou mostrava sinais de uma das seis condições comuns de amamentação. As seis condições que o modelo foi treinado para detectar foram ingurgitamento, mastite com ou sem abscesso, e danos mamilares incluindo as vesiculas dermatose,e lesões mamilares.
Os pesquisadores treinaram as redes usando 1.000 imagens de mamas e mamilos de mães que amamentavam em um desses sete grupos e, em seguida, testaram sua capacidade de identificar corretamente qual intercorrência, se houver, estava presente na foto. Em seguida, eles usaram técnicas de aumento de dados para aumentar o tamanho do conjunto de dados para 6.000 imagens para treinamento e validação. O melhor modelo após o aumento de dados foi capaz de detectar com precisão mamas saudáveis 84,4% das vezes, e teve uma precisão média de 66% para detectar as seis condições de mama não saudáveis. Eles então simplificaram o problema tendo apenas duas categorias, pedindo à ferramenta para identificar imagens de mamas saudáveis versus não saudáveis. Eles testaram esse modelo binário em 468 imagens e descobriram que a IA foi capaz de identificar corretamente imagens de mama não saudáveis 95% das vezes, e imagens saudáveis em 80,3% dos casos. Essas informações podem ser úteis para profissionais de lactação para alertá-los se um paciente precisa de atenção mais urgente.
Jessica diz que as descobertas iniciais mostradas neste trabalho são promissoras, mas ainda há limitações. Os pesquisadores descobriram que há vários problemas de qualidade de imagem e condições específicas de amamentação que levaram a resultados piores. Em particular, os pesquisadores descobriram que imagens de mastite, ingurgitamento e mama saudável são facilmente confundidas pelos modelos devido a semelhanças visuais. “Isso destaca a necessidade de aumentar o conjunto de dados para incorporar imagens de complicações mamárias mais variadas; trabalhar em estreita colaboração com consultores de lactação para investigar a necessidade de categorizar condições que podem ser um problema, mas indicam casos falso-positivos de problemas mais sérios; e explorar a possibilidade de usar essas condições que têm erros maiores como base para acompanhar a progressão da condição do paciente, onde há uma transição entre condições para melhorar ou piorar a situação de um paciente”, escreve a equipe.
Wang explica que uma chave para o avanço das tecnologias de saúde digital para uso no mundo real é garantir que mesmo pessoas comuns com pouco ou nenhum treinamento ainda possam usá-las de forma eficaz. Isso é importante, pois um aspecto fundamental deste trabalho é usar imagens externas de mamas obtidas de dispositivos pessoais como smartphones, em vez de imagens de nível médico de mamografias, por exemplo. Ser capaz de fornecer diretrizes eficazes para dizer às mães exatamente como tirar uma imagem em seus telefones será fundamental para resultados ideais da IA.
Embora ainda esteja nos estágios iniciais e mais trabalho seja feito para construir uma ferramenta de classificação de imagens mais robusta, de Souza disse que este estudo destaca o potencial de detectar com precisão complicações de amamentação a partir de um aplicativo ou ferramenta baseada em telefone. "Este tipo de tecnologia permitirá que mais pessoas obtenham os cuidados de que precisam para amamentar com sucesso", disse a coautora do artigo Kristina Chamberlain, consultora de lactação internacional certificada pelo International Board e diretora clínica do The Lactation Program na Divisão de Extensão da UC San Diego. "Embora uma ferramenta de IA não possa tirar o suporte pessoal que os consultores de lactação fornecem, ela tem um lugar na expansão do acesso e na melhoria dos resultados clínicos para díades de amamentação."
Devido ao impacto deste trabalho, Jessica recebeu recentemente uma bolsa de estudos chamada Merkin Fellowship, que lhe permitirá desenvolver ainda mais sua pesquisa no Brasil por meio de uma parceria entre a UC San Diego e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que abriga o Centro Ana Abrão - Assistência, Ensino e Pesquisa em Aleitamento Materno e Banco de Leite Humano.
“O próximo passo desta pesquisa é alavancar tecnologias avançadas para fornecer intervenções oportunas que podem reduzir significativamente a interrupção causada por complicações na amamentação”, disse Jessica. “Estou animada para expandir este trabalho no Brasil, onde a necessidade de cuidados de lactação acessíveis é urgente. Nosso objetivo é ajudar as mães a continuar sua jornada de amamentação com confiança e apoio.”
Publicado em UC San Diego Today, em 18 de julho de 2024
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