Dia Mundial da Infância: tempo de celebração e luta
Data é comemorada em 21 de março
O dia 21 de março foi instituído pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como o Dia Mundial da Infância.
A História da Infância pode ser compreendida como sendo a história da sociedade, da cultura, dos adultos com relação à criança. E, sendo assim, não é a mesma hoje e ontem, no Brasil e em outros países, no estado de São Paulo e em outros estados. Pensando no nosso país, como terá sido a infância das crianças ao longo do tempo?
Os miúdos, curumins e africanos
Os “miúdos”, como eram chamadas as crianças portuguesas, a partir de 1530, estiveram presentes na epopeia marítima e para cá vieram, na condição de grumetes, meninos entre 5 e 16 anos que dentro das embarcações realizavam as mesmas tarefas de adultos, recebendo, no entanto, metade de sua remuneração, dormindo nos lugares mais perigosos e com uma alimentação pouco saudável e empobrecida, eram acometidos de inanição e escorbuto, a doença causada pela ausência de vitamina C.
Vieram também os “pagens”, crianças em sua maioria provindas de famílias dos setores médios urbanos e da baixa nobreza, que dentro das embarcações, desempenhavam funções mais leves, como servir à mesa dos oficiais, arrumar os camarotes dentre outras.
As meninas brancas, pobres, entre 14 e 30 anos foram recrutadas nos orfanatos de Portugal para serem enviadas para o Brasil com a finalidade de se casarem e resolver o problema da miscigenação entre portugueses e indígenas.
Em terras brasileiras, havia ainda os primeiros moradores, os indígenas. Os curumins, que após o contato com o homem branco tiveram sua vida completamente alterada em seus hábitos, valores, rituais e convívio com o seu povo e com a natureza. Escravizados, arrancados de suas aldeias e famílias, passaram a exercer trabalho forçado ou a ser catequisados pelos padres jesuítas.
Escravizadas também foram as crianças negras, e assim permaneceram por três séculos. Se o destino tivesse sido outro, em suas aldeias no continente Africano teriam vivido rituais de passagem, de fertilidade, de procriação, rituais que lembrariam seus ancestrais, que marcariam o fim da infância e ingresso na vida adulta. Aqui, escravizadas, os rituais foram substituídos pelo adestramento ao mundo do trabalho, pela obediência ao senhor, pelos castigos e humilhações, e pelo trabalho forçado, enfim, foram convertidas em instrumentos de trabalho falantes.
Loja de sapateiro - Jean Baptiste Debret: No século XIX, existia grande número de sapatarias na cidade do Rio de Janeiro. Na prancha, o português, dono da sapataria, castiga seu escravo por alguma falta. Sua mulher, uma mulata, presencia a cena com prazer enquanto amamenta seu filho. Os demais escravos continuam trabalhando com expressão de medo e apreensão. (Crédito: Fazer História)
Brincar e trabalhar: diferentes formas de viver a infância
Ao longo do século XIX, as incertezas sobre a sua sobrevivência e a falta de definições sobre as suas especificidades e peculiaridades começam a ceder espaço para o sentimento da sociedade e da família acerca de uma responsabilidade a ser assumida frente às crianças, que pouco a pouco passam a ser vistas como uma potencialidade.
Se fosse uma criança de elite, usufruiria dos brinquedos, dos folguedos, das cantigas de roda e receberia instrução em sua casa, por meio da contratação de uma preceptora, geralmente professora estrangeira, que além de ensinar os saberes elementares do ler, escrever e contar, e história, geografia, aritmética etc., educava para os papéis sociais a serem desempenhados; se meninas, a arte de costurar, bordar, tocar piano, saber se portar; se meninos, saberes mais avançados que permitissem a continuidade dos estudos nas faculdades fora e dentro do Brasil.
Para as crianças pobres a realidade era bem distinta. Tanto as brasileiras, quanto as crianças imigrantes ou filhas de imigrantes que em fins do século XIX desembarcam aos milhares no Porto de Santos, o destino era o trabalho.
As crianças trabalhavam como pedreiros, vendedores ambulantes, entregadores de jornais, em sapatarias, marcenarias, fábricas de massas, de graxa, de óleo, de tintas de escrever, fundições, olarias, fábricas de calçados, manufaturas de roupas e chapéus e nas indústrias.
Construção do Teatro Municipal de São Paulo. (Crédito: IACOCCA, 2011, p. 43)
As condições de trabalho dos imigrantes eram similares a dos brasileiros e muito se assemelhavam às vividas nos primeiros anos da Revolução Industrial nos países europeus, entre os séculos XVIII e XIX, com jornadas de trabalho intermináveis, demissões arbitrárias, pagamento por peça, disciplina rígida, baixos salários e ampla utilização do trabalho de mulheres e crianças com remunerações inferiores às dos homens adultos.
Havia ainda um outro trabalho, menos visível, em casa, ajudando as mães na lida com a arrumação, no preparo de alimentos, na limpeza e, com os pais no trabalho de plantio, cuidando dos animais etc. De toda forma, sempre trabalho, no mais das vezes cansativo, perigoso, que minava a saúde das crianças e o direito de usufruir o tempo da infância.
Criança como sujeito de direitos: quais direitos?
Embora as crianças ao longo do século XX e XXI tenham continuado a ingressar no mundo do trabalho, é inegável a centralidade que passaram a ocupar nas preocupações da área da saúde e da educação.
Nas primeiras décadas do século XX foram organizados Jardins de Infância públicos em diversos estados brasileiros. Em 1923, foi criada a Inspetoria de Higiene Infantil, substituída em 1934 pela Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância, e em 1940, o Departamento Nacional da Criança, que dentre suas atividades, estabeleceu normas para o funcionamento das creches.
Desde a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, a educação das crianças pequenas passou a ser contemplada, ganhando centralidade na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e nas muitas e diversificadas publicações do Ministério da Educação (MEC),
Neste Dia Mundial da infância, em meio à pandemia de COVID-19, desigualdade social e pobreza que assolam nosso país e atingem, de maneira mais brutal, as crianças, temos menos a celebrar, e mais a lutar em defesa das crianças e do seu direito de viver a infância com dignidade e proteção.
(Crédito: Inesc)
Referência
IACOCCA, A. Retratos da imigração italiana no Brasil. São Paulo: Editora Brasileira de Arte e Cultura, 2011.
Por Claudia Panizzolo
Professora associada da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unifesp e do curso de Pedagogia, na área de educação infantil. Graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP, 1991), com experiência na docência e gestão da educação infantil, ensino fundamental e superior. Outras informações, clique aqui.
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