A vida com esclerose múltipla é um desafio a superar
30/05 - Dia Mundial da Esclerose Múltipla
O dia 30 de maio é celebrado internacionalmente como o Dia da Esclerose Múltipla. A data, criada pela Federação Internacional de Esclerose Múltipla, pretende divulgar informações sobre uma doença neurológica impactante, mas ainda pouco conhecida pelo público em geral, e conscientizar a população sobre os desafios enfrentados por quem convive com ela.
O que é esclerose múltipla?
A esclerose múltipla (EM) é considerada uma doença autoimune e desmielinizante que afeta o sistema nervoso central (cérebro e medula espinal). Autoimune são todas as doenças geradas por uma reação inflamatória contra o nosso próprio organismo, como lúpus, artrite reumatoide e psoríase, por exemplo. Desmielinizante porque afeta um componente do sistema nervoso chamado mielina, que é uma capa que recobre os nossos nervos. Toda vez que essa capa é danificada há uma dificuldade de transmissão de impulsos neurológicos. Essa agressão autoimune e inflamatória gera dano na mielina, provocando os sintomas da doença. Por exemplo, se afeta a mielina de um nervo que vai para os olhos há perda visual, um nervo da perna há dificuldade para andar, se afeta a mielina que vai para o cerebelo há alteração de coordenação e assim por diante.
A esclerose múltipla afeta o sistema nervoso central e caracteriza-se pela desmielinização e degeneração do axônio (prolongamento dos neurônios através do qual são transmitidos os impulsos nervosos) (Fonte: Biologia Net)
Essas agressões inflamatórias são em crises, então há uma inflamação, um sintoma, que dura de umas quatro a oito semanas e depois melhora espontaneamente, especialmente nos anos iniciais da doença. E é por causa disso que a doença passa desapercebida em um primeiro momento. Um formigamento por exemplo pode ser conectado ao estresse, a perda de força ao cansaço, o embaçamento visual a uma virose, a falta de equilíbrio labirintite e depois a pessoa melhora espontaneamente. Mas, com o passar dos anos, consequências e sequelas neurológicas irreversíveis podem se acumular.
Prevalência da EM no mundo
A prevalência da EM varia ao redor do mundo de 20 a quase 150/100.000, a depender da composição genética de cada população, sendo predominante no norte do hemisfério norte e em descendentes caucasianos. Estima-se uma prevalência de 30-40/100.000 pessoas no Brasil, isto é, que cerca de 40.000 a 50.000 brasileiros convivam com esclerose múltipla.
(Crédito: Roche)
Apesar de ser considerada rara, a EM apresenta um enorme impacto social e financeiro no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a EM é a primeira causa de incapacidade física e aposentadoria antes dos 50 anos de idade. Já na Suécia, um local de extrema equidade social e oportunidades, 50% das pessoas com EM estão desempregadas antes dos 40 anos de idades. No Brasil, a EM é a segunda causa de incapacidade neurológica permanente abaixo de 50 anos de idade, sendo as primeiras causas violentas (acidente rodoviários, acidentes por arma branca e armas de fogo).
Diagnóstico precoce e manifestação da doença
O diagnóstico precoce é essencial, visto que existem tratamentos cientificamente eficazes que podem frear a evolução da doença permitindo que o individuo mantenha não só sua qualidade de vida, mas sua capacidade laborativa, assim contribuindo economicamente ao invés de consumir recursos sociais. No Brasil, vários tratamentos são disponibilizados tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto no sistema de saúde suplementar.
A EM se manifesta de forma inicialmente episódica. Então a pessoa tem crises que duram algumas semanas e melhoram. Essas crises podem ser: embaçamento visual, falta de equilíbrio, perda de força nas duas pernas ou em um lado do corpo, dificuldades urinárias, formigamento nas mãos e nos pés. Não é coisa de 24 horas, é algo que vem, dura várias semanas e aí melhora espontaneamente. Ou com o passar do tempo pode deixar uma ou várias sequelas.
Estes sintomas podem variar e mudar de intensidade de acordo com o tempo e a evolução da doença, e por isso é tão importante que o diagnóstico seja feito o quanto antes. Em caso de suspeita da doença, procure imediatamente um neurologista. (Fonte: Sanofi)
O diagnóstico depende de um conjunto variável de exames que deve incluir, ao menos, uma ressonância magnética de crânio e coluna. Geralmente na mão de um especialista, ou de pelo menos de um neurologista bem formado, hoje não é uma doença muito complicada de se diagnosticar. O problema do diagnóstico é que o não especialista ainda não pensa em esclerose múltipla porque a formação neurológica na graduação costuma ser fraca frente a necessidade de ensinar outras doenças e situações mais frequentes no dia a dia do não especialista, e por isso é importante a difusão de informações sobre a EM, tanto para o médico não acostumado com este diagnóstico ficar atento, quanto a pessoa que sofre com sintomas episódicos e está em busca de um diagnóstico poder questionar seu médico se este não é um diagnóstico possível que mereça ser investigado ou, no mínimo, encaminhado para uma avaliação especializada.
Situações em que a EM deve ser pensada como diagnóstico diferencial
1. Perda de visão em um ou ambos os olhos, ou visão dupla, sem sinais externos de vermelhidão ou secreção, especialmente se piorando ao longo de alguns dias: pode significar neurite óptica;
2. Muita vertigem e desequilíbrio na ausência de náuseas e zumbido que dura semanas e melhora sozinho ou com medicamento: pode significar lesão de tronco cerebral;
3. Formigamento de um lado do corpo, especialmente se piorando ao longo de alguns dias: pode significar lesão medular;
4. Perda de força de um lado do corpo, ou de ambas as perdas, sem desvio de rima, especialmente se piorando ao longo de alguns dias: pode significar lesão medular;
5. Perda ou incontinência urinária em homens ou mulheres não explicada por infecção de urina ou DST: pode significar lesão medular;
6. Dificuldade de marcha, quedas, tropeços e muita fadiga, especialmente em pessoas abaixo de 50 anos de idade;
7. Sintomas neurológicos transitórios, como fadiga, dificuldade de marcha, embaçamento visual, que pioram com o calor e podem melhorar em dias mais frios;
8. Dor neuropática, como queimação, formigamento e câimbras frequentes em pessoas com menos de 50 anos de idade;
9. História de múltiplas alterações neurológicas como as descritas acima, que pioram e melhoram ao longo de anos, não explicado por outra doença: pode significar esclerose múltipla remitente recorrente;
10. Uma combinação dos achados acima.
Medicamentos e medidas em prol da qualidade de vida
Existem no Brasil mais de dez medicamentos disponíveis para frear a evolução da esclerose múltipla e oferecer melhora da qualidade de vida ao individuo com este diagnóstico. Os medicamentos são divididos em baixa, média e alta potência, podendo assim ser individualizado de acordo com a necessidade de cada um. Não necessariamente um mesmo medicamento tem o mesmo efeito para todos os pacientes, e por isso uma decisão individualizada e compartilhada faz-se necessário.
Além de tratamento com medicamento específico, uma série de medidas de estilo de vida auxiliam no tratamento e melhora clínica, entre ela: uma alimentação balanceada e sem alimentos ultra processados, evitar consumo de tabaco, redução de obesidade abdominal, atividade física regular, manter uma boa rotina de sono e níveis fisiológicos de vitamina D, seja através de consumo de vitaminas ou banho de sol periódicos.
Toda situação crônica traz um enorme desafio para a pessoa e sua coletividade, mas com a adequada difusão do conhecimento acerca da EM, seu diagnóstico e tratamento precoces, podemos ter um cenário futuro que estas pessoas não mais desenvolvam sequelas permanentes e possam estar normalmente inseridas em seus círculos sociais e com chances de desenvolver todo seu potencial pessoal.
Por Denis Bernardi Bichuetti
Professor adjunto da Disciplina de Neurologia, chefe do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia e assistente do Setor de Neuroimunologia e Doenças Desmielinizantes da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Médico neurologista com treinamento especializado em esclerose múltipla no Centro de Esclerose Múltipla da Catalunha (Barcelona, Espanha, 2011). É membro da Academia Brasileira de Neurologia, Academia Americana de Neurologia e Academia Europeia de Neurologia e faz parte do comitê científico da Guthy Jackson Charitable Foundation. Outras informações, clique aqui.
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