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Você já ouviu falar no vírus HTLV?

Publicado: Segunda, 09 de Novembro de 2020, 16h48 | Última atualização em Segunda, 16 de Novembro de 2020, 10h03 | Acessos: 52800

A melhor prevenção é o conhecimento

conhecerO Dia Mundial do HTLV, 10 de novembro, foi instituído pela Associação Internacional de Retrovirologia (IRVA, sigla em inglês) para dar visibilidade ao vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1). O objetivo da celebração é esclarecer a população sobre o vírus .

O HTLV  atinge as células de defesa do organismo, os linfócitos T. Existem dois tipos desse vírus: o HTLV-I e o HTLV-II. O subtipo I está relacionado a doenças neurológicas graves e degenerativas e doenças hematológicas, como a leucemia e o linfoma de células T humana do adulto. 

Pode ser transmitido de maneira semelhante ao HIV/Aids: nas transfusões de sangue, da mãe para o filho durante a gestação ou parto — risco mais baixo — ou por aleitamento — alto risco, por via sexual (relações sexuais desprotegidas), pelo uso compartilhado de seringas e agulhas infectadas e acidente com material contaminado perfuro-cortante.

Veja, na Figura 1, uma representação esquemática da partícula viral. Na Figura 2, como o vírus passa a fazer parte da célula infectada pelo hospedeiro. E, na Figura 3, Rotas do HTLV no mundo.

 

 

Falta de conhecimento para o controle

O HTLV-1 se perpetua em nossa sociedade e permanece invisível, do ponto de vista da saúde pública1.

Diante de uma infecção, até o momento, incurável, descoberta a quase 40 anos, a ação fundamental em saúde pública deveria ser a prevenção, evidentemente! Entretanto, porque não acontece?

Há uma lógica subjacente que permeia essa negligência do enfrentamento da endemia do HTLV-1 no mundo, tornando a infecção invisível às políticas públicas.

Embora os discursos frisem a importância da prevenção, as políticas de saúde ainda se ancoram em uma concepção biomédica com foco centrado na relação adoecimento/tratamento. No caso da infecção pelo HTLV-1, sabe-se que apenas em torno de 1% dos sujeitos infectados virão a desenvolver doenças associadas, ou seja, são assintomáticos, embora possam transmitir o vírus para parceiros sexuais e prole2.

Considerando que poucos são afetados por adoecimento (embora possa apresentar quadros graves), assume-se que não há necessidade de ações mais contundentes em função de um contingente pequeno de pessoas doentes (sintomáticas), pois além de “não ter o que ser feito” (já que não há tratamento medicamentoso disponível), não haveria um impacto epidemiológico relevante que justificasse ações de prevenção ou identificação dos sujeitos infectados3-4.

Estabelece-se, assim, um círculo vicioso: o desconhecimento sobre o vírus HTLV-1 (entre profissionais de saúde e leigos) leva ao não reconhecimento da necessidade de identificação do mesmo na sociedade. Por outro lado, não se estruturam ações de prevenção, levando a não identificação da real dimensão dessa infecção na sociedade (de fato, há poucos dados epidemiológicos). 

  

Demandas de saúde

Os sintomáticos (em torno de 1%) demandariam cuidado biomédico e, apenas, controle de alguns sintomas. No caso dos assintomáticos, seriam de ordem psicossocial, orientação e aconselhamento (quanto à vivência da sexualidade, relações familiares, decisões reprodutivas, consequências emocionais e sociais da interrupção do aleitamento materno, etc). Sendo assim, as demandas desses sujeitos estariam voltadas para um saber para além do biomédico, de outros campos de saber na atenção em saúde (como da Psicologia, Serviço Social, Enfermeiros, entre outros)1.

Em função da atual lógica das práticas de saúde, centrada em questões biomédicas, encontramos equipes de saúde com número inadequado de profissionais “não médicos” e despreparadas para atender demandas complexas de PVHTLV-15.

 

O cenário da assistência e da pesquisa

Na perspectiva do cuidado integral, considera-se a necessidade de avanço do trabalho interdisciplinar e interprofissional em saúde pública.

Cabe lembrar que o Brasil se destacou mundialmente ao propor um programa de saúde público universal, o Sistema Único de Saúde (SUS), que visa diferentes ações em vários níveis de complexidade, foco na prevenção e atendimento integral aos usuários6. Ainda que tal programa tenha trazido avanços, especialmente quanto à epidemia de HIV/Aids, não se observa a mesma ordem de avanços para o enfrentamento do HTLV-17. Embora o discurso manifesto das políticas públicas brasileiras seja de prevenção, a lógica subjacente ainda é centrada no modelo biomédico, como apontado, o que traz implicações para as concepções e práticas, que interferem nas condições de enfrentamento da epidemia de HTLV-11.

Sugere-se, portanto, que os próprios pesquisadores da área, bem como os profissionais de saúde, ampliem suas perspectivas, para além dos aspectos biomédicos dessa infecção, que também são relevantes.

Pode-se constatar que o HTLV-1 é um caso paradigmático do ponto de vista epistemológico8, ou seja, que permite a abertura para construção de um novo paradigma de cuidado.  Com esse novo olhar, busca-se suplantar uma lógica que restringe o cuidado para a PVHTLV-1 apenas como “ser doente” (sintomático), passando a abarcar suas necessidades complexas, além de dar visibilidade ao sujeito assintomático.

 

Referências

  1. Zihlmann KF, Alvarenga AT, Casseb J. Living invisible: HTLV-1-infected persons and the lack of care in public health. PloS neglected tropical diseases 2012; 6(6):e1705.
  2. Proietti FA, Carneiro-Proietti AB, Catalan-Soares BC, Murphy EL. Global epidemiology of HTLV-I infection and associated diseases. Oncogene 2005; 24:6058–6068.
  3. Martin F, Tagaya Y, Gallo R. Time to eradicate HTLV-1: an open letter to WHO. Lancet 2018; 391: 1893-94.
  4. Martin F, Blackeborough-Wesson K, Do Valle S et al. Time to eradicate HTLV-1: an open letter to WHO. Available at: http://www.gvn.org/who.
  5. Ayres JRCM. Care and reconstruction in healthcare practices. Interface - Comunic Saude Educ 2004; 8(14):73–92.
  6. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778–1797.
  7. Barreto M, Teixeria MG, Bastos FI, Ximenes RAA, Barata RB, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet 2011; 377(9780):1877–1889.
  8. Kuhn T. The structure of scientific revolutions. Chicago: The University of Chicago Press. Second Edition enlarged; 1970.

 

 

Autoras

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