Por Valquíria Carnaúba
A desigualdade de gênero está diretamente associada a modificações estruturais nos cérebros de homens e mulheres, podendo estar associada à pior saúde mental das mulheres e menor nível educacional. Essa foi a conclusão de um estudo inédito desenvolvido por pesquisadores do mundo todo, inclusive da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Nas regiões com maior igualdade de gênero, essas diferenças praticamente não foram observadas.
Foram avaliadas 139 amostras de 29 países diferentes, totalizando 7.876 exames de ressonância magnética de 4.078 mulheres e 3.798 homens. Quase 35,26% dos participantes viviam em países de baixa e média renda, possuíam entre 18 a 31 anos.As análises mostraram que as mulheres oriundas de países onde são submetidas a tratamento desigual possuem uma espessura menor do córtex em três regiões do cérebro, bem como diferenças nas regiões límbicas do cérebro e no lobo occipital lateral esquerdo.
O córtex é a camada externa de substância cinzenta dos hemisférios cerebrais, que possui de dois a quatro milímetros de espessura e abriga grande quantidade de neurônios. Já as áreas límbicas, conhecidas como nosso cérebro emocional, estão localizadas abaixo do córtex coordenando todas as respostas emocionais. O lobo occipital situa-se na parte posterior da cabeça e administra a percepção visual, incluindo cor, forma e movimento.
O artigo é liderado por Nicolas Crossley, professor visitante da Universidade de Oxford, e por André Zugman, pesquisador do National Institute of Mental Health, nos Estados Unidos, que completou seu doutorado na Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp). Além disso, conta com a colaboração dos professores do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) Andrea Jackowski, Ary Gadelha, Pedro Mario Pan e Rodrigo Bressan.
Jackowski lembra que "o elevado índice de desigualdade se deve à existência de lugares onde as mulheres são impedidas de estudar, têm menores oportunidades profissionais ou são mais vulneráveis a determinadas formas de violência". Ela destaca, ainda, a importância do artigo devido a inclusão de amostras de mulheres de países em desenvolvimento, pois normalmente os estudos na área são mais focados em países do primeiro mundo. Pan complementa frisando "o papel do ambiente no neurodesenvolvimento".
Rodrigo Bressan ressalta que o estudo é uma consequência de uma linha de pesquisadore(a)s latino-americano(a)s voltada para o impacto dos determinantes sociais no risco para desenvolver transtornos mentais. "Em artigos anteriores, já se identificou o impacto da desigualdade econômica no cérebro e na cognição de pacientes com esquizofrenia. Esses resultados levaram ao grupo investigar os efeitos de outras formas de desigualdade em pessoas sem transtornos mentais", complementa.
De acordo com o psiquiatra Ary Gadelha, chefe do Departamento de Psiquiatria, os resultados indicam a necessidade urgente de medidas para reduzir a desigualdade de gênero e proporcionar oportunidades semelhantes. "As conclusões são instigantes e suscitam dúvidas e ações, mas devemos ressaltar que ainda devem ser replicados em outros estudos", finaliza.