Vencendo o silêncio e o preconceito com as próprias mãos
Direitos e a luta pela inclusão das pessoas surdas
No dia 26 de setembro celebramos o Dia Nacional dos Surdos e o Dia Internacional da Língua de Sinais, sendo alusiva à criação da primeira Escola de Surdos no Brasil, no período Imperial, na cidade de Rio de Janeiro em 1857, existente até os dias de hoje: o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
A primeira escola de surdos no Brasil, 1857, recebe o nome de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Ligada ao Ministério da Educação (MEC), essa instituição é de alta relevância para a comunidade surda brasileira e desenvolve atividades em diferentes áreas. Esse instituto consiste na maior referência no Brasil quanto ao ensino, aprendizado e divulgação da Libras. (Fonte: Academia de Libras)
O principal objetivo dessas datas comemorativas é propor a reflexão e o debate sobre os direitos e a luta pela inclusão das pessoas surdas na sociedade. Mas, a que direitos estamos nos referindo?
Antes, vamos relembrar alguns momentos da história...
A inclusão de pessoas com deficiência na sociedade passou por períodos de exclusão do direito à vida, segregação institucional e integração até que, na atualidade, o paradigma da inclusão é preconizado.
As línguas de sinais também demoraram para serem aceitas, pois no Congresso Internacional de Surdo-Mudez de Milão, em 1880, foram banidas da educação de surdos.
No caso dos surdos, a segregação institucional passou por um modelo de escola em que era proibido usar a língua de sinais, pois acreditava-se que ela inviabilizaria o desenvolvimento de fala ou ainda, que a língua de sinais não poderia figurar no status de língua.
Apenas na década de 60, pesquisas provaram que a língua de sinais apresenta todos os elementos que a caracterizam como língua e que permite o desenvolvimento da linguagem e do pensamento das crianças surdas.
Ao longo do tempo, tem se lutado por acessibilidade comunicativa, inclusão social, educacional e no mercado de trabalho, mas principalmente por acessibilidade atitudinal, com a eliminação de todo tipo de preconceito e discriminação, com o reconhecimento da libras como a língua viva que viabiliza a comunicação efetiva do surdo, a construção de sua identidade como sujeito e a constituição de uma comunidade que tem uma história e uma cultura.
A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira. De acordo com a Lei, Libras é uma língua oficial neste país que tem mais de 10 milhões de pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Portanto, a língua portuguesa é considerada a segunda língua para o surdo.
A língua de sinais permite o acesso do surdo à linguagem e, consequentemente ao mundo. Nós, ouvintes, precisamos aprender, respeitar e divulgar a libras. (Imagem: Pixabay)
Para além de uma data...Ações cotidianas
Dia de celebrar a diversidade humana como atributo. É dia de comemorar o respeito à língua, cultura, identidade e comunidade surda, mas também de constatar que muito ainda precisa ser feito para que os direitos garantidos por lei sejam colocados em prática.
O dia 26 de setembro é reconhecido por lei, mas para além da data, devemos praticar ações cotidianas para promover o respeito à comunidade surda e a divulgação da língua brasileira de sinais (Libras), como está previsto na lei.
Mas quanto a população brasileira conhece a libras ou a cultura surda e é capaz de se comunicar com uma pessoa surda nos diferentes espaços sociais, como no banco, no supermercado ou no shopping?
Qual é a realidade do surdo que precisa de intérprete na escola? Ele consegue o profissional no começo do ano ou passa meses sem o intérprete, ou nem o consegue?
Como estão os serviços da saúde e da educação no que se refere à doação de próteses auditivas, implantes cocleares, conectividade, ou na disponibilidade de serviços de atendimento fonoaudiológico, instrutores de libras, atendimento educacional especializado, cursos de libras para pais e professores?
No mercado de trabalho, a contratação de surdos é estimulada pela Lei de Cotas, mas em que medida o surdo é incluído, com adaptações nos processos de treinamento e até no convívio e comunicação com seus pares?
Nossa legislação sobre inclusão é uma das mais evoluídas do mundo, porém faltam ações que transformem as leis em políticas e em práticas. É sobre isso que precisamos refletir nesta data: podemos mudar nossa realidade e tornar o Brasil um país verdadeiramente inclusivo para todos, porque inclusão se refere a todos!
Por Marisa Sacaloski
Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo, assessora educacional da Câmara de Conciliação e de Mediação de Conflitos (Camu/Unifesp) e membro da Câmara Técnica de Acessibilidade e Inclusão (CTAI/Unifesp). Possui graduação em Fonoaudiologia (Unifesp, 1990), especialização em Distúrbios da Comunicação Humana (1991), Distúrbios da Audição (1992), Libras e Educação Especial (2011), mestrado (Unifesp, 1997) e doutorado (Unifesp, 2001) em Distúrbios da Comunicação Humana. Tem experiência nas áreas de Educação Especial, Libras, Psicopedagogia e Fonoaudiologia, com ênfase em Audição, atuando principalmente nos seguintes temas: educação especial e inclusiva, fonoaudiologia escolar, audiologia, triagem auditiva, transtornos e dificuldades de aprendizagem e inclusão social da pessoa com deficiência. Outras informações, clique aqui.