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A escola que eu vi nascer - texto publicado no 40º aniversário da EPM

Publicado: Quarta, 11 de Janeiro de 2023, 18h09 | Última atualização em Segunda, 30 de Janeiro de 2023, 14h26 | Acessos: 9629

Elaborado por Jair Xavier Guimarães - aluno da 1ª turma da EPM (1933) e professor titular (1973)

 

Ouça acima o conteúdo deste artigo.

 

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Jair Xavier Guimarães - acervo iconográfico do CeHFi/Unifesp

 

"O ano de 1933 encontrara o povo de São Paulo profundamente insatisfeito e inconformado com o desfeito da Revolução Constitucionalista.

Ainda conservamos intactas as recordações daqueles quatro meses de 1932, vividos e sobrevividos pelo milagre da união em torno de um ideal – restauração da liberdade democrática, sob a égide de uma Constituição que realmente unisse os brasileiros e os proclamasse iguais perante a Lei, usufruindo dos mesmos direitos e cumprindo os mesmos deveres.

Estavam completamente enganados os que julgavam ter aquebrantado nossa fé e minado nossa esperança. O animo dos paulistas sobrevivera inquebrantável. Retornamos ao trabalho honesto e produtivo. Todos os paulistas que aqui nasceram; os imigrantes que aqui encontraram sua terra e construíram seu lar; os irmãos brasileiros de outros Estados que ombro a ombro conosco colocavam o seu tijolo, ajudando a erigir o edifício da Pátria comum.

Tínhamos ainda muito que construir. Sem ódio ou ressentimento, que nada constrói, mas com muito amor e trabalho perseverante.

Havia, por exemplo, muito por fazer no campo da educação médica e da assistência médico-hospitalar.

A única Escola Médica existente em São Paulo, oficial, oferecia um exíguo número de vagas em relação à demanda dos jovens capazes e ávidos de estudar medicina. Milhares de moços se deslocavam anualmente e, longe de seus lares, iam estudar no Rio de Janeiro, Curitiba, Recife e Salvador. Outros, menos afortunados, eram obrigados a desistir.

A carência de leitos hospitalares para indigentes emergia como outro aflitivo problema social.

Estes problemas, naturalmente, constituíram preocupação mais constante de um grupo de médicos paulistas, categorizados pelo seu conceito profissional e já encaminhados na carreira do magistério superior.

Quis o determinismo histórico, que dentre eles, um se destacasse pelos seus autênticos atributos de líder – Octávio de Carvalho.

Em fevereiro de 1933, teve ciência de que 119 moços haviam prestado exame vestibular na Faculdade de Medicina de São Paulo e, embora aprovados, não haviam conseguido vaga. Estavam condenados a aguardar mais um anos para nova tentativa ou tentar a sorte em outras paragens. A acuidade mental de Octávio de Carvalho determinou que era chegada a hora da realização do sonho há tanto tempo acalentado.

Reuniu colegas e os convenceu pela argumentação e pelo entusiasmo. Conseguiu aglutinar a elite da geração moça de médicos de São Paulo.

De outro lado, convocou os 119 moços que se encontravam na aflitiva situação já referida. Sou testemunha viva, daquelas memoráveis reuniões realizadas no Trianon da Avenida Paulista. A exposição que ele fazia da situação e dos fatos era franca, honesta e convincente.

Amadurecida a idéia, urgia pô-la em prática. Octávio de Carvalho já conseguira reunir um excelente corpo docente e contava com a adesão e o compromisso dos futuros alunos. O prédio para o funcionamento adequado da nova Escola foi alugado – Rua Oscar Porto, no bairro do Paraíso. O exame vestibular, tão rigoroso quanto o da Faculdade oficial, foi realizado e assim selecionados 83 moços que iriam constituir a 1ª turma.

E a escola foi batizada – Escola Paulista de Medicina.

A 1º de junho de 1933, os fundadores da nova Escola se congregam em Sociedade Civil de fim não lucrativo e comunicam ao povo de São Paulo, através de memorável Manifesto, sua decisão e sua firmeza de propósitos. E aí começou o ingente esforço para implantação e sobrevivência de tão ousada iniciativa.

E hoje, passados 40 anos, a Escola que criaram e amaram aí está firme, imperecível e plena de frutos. É uma casa grande de uma grande família, com portas sempre abertas para o saber. Os que dela partiram para outras lutas e os que ainda nela vivem acalentam no coração sua imagem e suas lembranças.

Obstáculos de toda a ordem se antepunham – incredulidade de muitos, resistência de outros, dificuldade econômica para manutenção de pessoal e aquisição de equipamento indispensável; a tenacidade de Octávio de Carvalho enfrentava e vencia a tudo e a todos.

Dois anos após, por intermédio de um financiamento da Caixa Econômica Federal de São Paulo, foi adquirido em Vila Clementino o imóvel e o terreno para sede definitiva da Escola, propiciando inclusive área para construção do hospital de ensino.

Em 30 de setembro de 1936 era lançada a estaca fundamental do Hospital São Paulo, cuja construção tornou-se possível através de um empréstimo de dez mil contos conseguido graças ao apoio e solidariedade de Samuel Ribeiro, presidente da Caixa Econômica Federal.

E outros empreendimentos e outras vitórias, o sacrifício e a abnegação dos professores fundadores iam conquistando: à cessão das Enfermarias do Hospital Humberto Primo para o ensino da Propedêutica Médica – colaboração desinteressada do conde Francisco Matarazzo; a construção do Pavilhão Maria Tereza Nogueira de Azevedo – sede provisória do Hospital São Paulo; o concurso do eminente professor alemão Walter Buengeler para ensinar Anatomia Patológica; a concessão de amostras de café feita pelo Departamento Nacional do Café, com apreciável renda para o Hospital São Paulo, e finalmente o reconhecimento oficial da Escola pelo Conselho Federal de Educação, em 1938.

A esta altura, a Escola já firmara o seu conceito, passando a ser considerada e respeitada como instituição particular de ensino superior, que se esmerava em ministrar ensino de bom padrão.

E os primeiros frutos começaram a ser colhidos – 1ª turma de médicos formados em 1938.

Daí por diante, outras turmas formadas, todas elas trabalhadas e buriladas com o mesmo carinho, a custa de redobrado esforço, sacrifício e abnegação.

É justo, portanto, e é dever de gratidão mencionar, particularmente para conhecimento dos moços, os nomes dos artífices desta Obra meritória.

Ei-los, em ordem cronológica de atividade nas Cátedras: João Moreira da Rocha, André Dreifus, Nelson Planet, Dorival Cardoso, Thales Martins, Otto Bier, Flavio Fonseca, José Ribeiro do Vale, Lauro Cruz, Marcos Lindenberg, Jairo Ramos, Alípio Corrêa Neto, Walter Buengeler, José Maria de Freitas, Nicolau Rosseti, Felício Cintra do Prado, Felipe Figliolini, Luiz Pereira Barretto Neto, Rodopho de Freitas, Octávio de Carvalho, Fausto Guerner, Paulino Longo, José Barbosa Corrêa, José Ignácio Lobo, A. Bernardes de Oliveira, Moacyr Álvaro, Paulo Mangabeira Albernaz, A. C. Pacheco e Silva, Álvaro Lemos Torres, Pedro de Alcântara, Álvaro Guimarães Filho, José Medina, Antonio Prudente, Décio Queiroz Telles, Domingos Define.

Estes pioneiros dedicaram o melhor de suas vidas na implantação e sobrevivência da Escola Paulista de Medicina. Ensinaram Medicina e Ética Médica. Criaram discípulos com carinho e abnegação e, quando chegada a hora, entregaram a eles a incumbência e a responsabilidade de conduzir os destinos da Escola.

E hoje, passados 40 anos, a Escola que criaram e amaram aí está firme, imperecível e plena de frutos. É uma casa grande de uma grande família, com portas sempre abertas para o saber. Os que dela partiram para outras lutas e os que ainda nela vivem acalentam no coração sua imagem e suas lembranças.

Bem-aventurados os que constroem com amor."

 

 

Este artigo faz parte do "Memórias do Campus São Paulo" - clique aqui para acessar outras postagens e conhecer este projeto.

 

 

 

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