O combate à violência começa com a prevenção. A prevenção começa com a saúde mental
Dia do Psicólogo: A importância do Processo de Luto
Uma mente saudável é fundamental para o bem-estar de qualquer pessoa
O Dia Nacional do Psicólogo se tornou a data comemorativa oficial a ser celebrada todo o dia 27 de agosto. A Lei 13.407/2016, que determina a norma, foi sancionada pela Presidência da República no dia 26 de dezembro de 2016 e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia seguinte. O Dia do Psicólogo sempre foi comemorado, ainda que informalmente, no dia 27 de agosto – data de publicação da Lei 4.119/62, que regulamentou a profissão de psicólogo no Brasil. Porém, não existia uma lei formalizando a celebração, como ocorre com outras profissões.
A singularidade humana
O encontro terapêutico com o paciente demanda do psicólogo uma disponibilidade interna para abrir-se para uma experiência de contato humano que se delineia em diversos matizes, um sujeito nunca é igual a outro, um encontro nunca se repete da mesma forma. É nessa singularidade que o profissional trabalha, contando com o arcabouço teórico que fundamenta a prática e utilizando os próprios recursos psíquicos como ferramenta terapêutica. Acolher as angústias humanas, recebê-las com interesse e trabalhar sua elaboração com o paciente são ações que implicam um importante investimento na saúde psíquica do profissional.
Intervenções psicológicas diante da pandemia da Covid-19
A compreensão dos processos de luto é uma ferramenta essencial nessa jornada em águas turbulentas.
A morte, a perda, o desamparo apresentam-se de forma universal na experiência humana desde sempre. E desde sempre a humanidade busca dar conta do sofrimento lançando mão dos recursos simbólicos que a religião, a cultura e a arte criaram para dar sentido às experiências doloridas inerentes à vida. Face à ruptura da perda, à descontinuidade da morte, à consciência da finitude, buscam formas de tornar a dor suportável dentro de um processo de digestão psíquica que denominam como o processo de luto.
A pandemia de Covid-19 nos confrontou com a realidade do impacto das perdas de forma avassaladora, configurando uma experiência de luto coletivo. As pessoas perderam o mundo que conheciam, a segurança que imaginavam ter na previsibilidade dos acontecimentos cotidianos, perderam o contato íntimo com quem amam, o abraço, o beijo, o calor do encontro. Perderam, sobretudo, muitas vidas e milhares de famílias foram afetadas pela morte de seus entes queridos. São vivências traumáticas que precisarão elaborar e integrar no processo de readaptação de suas vidas a uma nova organização da realidade.
É nesse sentido que os profissionais da saúde mental entendem que foram convocados a acolher e auxiliar a travessia desses mares revoltos de dor e desamparo que esse acontecimento lançou.
O que é e como lidar com o processo de luto?
O luto é um processo natural que acontece sempre que perdemos algo ou alguém significativo em nossas vidas. Tem um caráter subjetivo, pois cada pessoa vivencia de uma maneira, em seu tempo particular. É permeado pelo contexto social, cultural, pelos valores, crenças e tradições familiares. Aspectos da personalidade, experiência anteriores de perdas e suas circunstâncias também são relevantes nesse processo, assim como a forma como se deu a perda (se a pessoa falecida estava sozinha, em casa ou no hospital, se foi um acidente), e o tipo de morte (repentina, doença crônica, suicídio). A qualidade da relação que a pessoa enlutada tinha com a pessoa falecida é outro elemento muito importante na compreensão do luto. São muitas as variáveis e suas combinações, transformando o processo de luto em algo muito singular, no qual as diferenças pessoais precisam ser consideradas e respeitadas. (WORDEN, 1995; PARKES, 1998; FRANCO, 2021)
O luto desperta inúmeras reações e afeta a pessoa enlutada de forma global. Muitos afetos são experimentados, muitas vezes de formas contraditórias, o amor e a raiva, a culpa e o alívio, a tristeza e a serenidade. O corpo também é palco desse processo, náuseas, tonturas, dores de cabeça, pernas bambas, dificuldade de concentração, são expressões legítimas dessa experiência.
Afeta o indivíduo de forma integral em suas dimensões: física, emocional, comportamental, cognitiva e espiritual.
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Sentimentos: Sensações e sentimentos como, choque, negação, entorpecimento, ansiedade, raiva, culpa, medo, desamparo e alívio são normais.
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Sensações físicas: Dores físicas, falta de ar, nó na garganta, entre outros. É comum também observarmos queixas físicas semelhantes às vividas pelo ente perdido.
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Cognição: Sentir-se confuso, desorganizado, ter lapsos de memória e atenção prejudicada são reações normais e até esperadas.
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Comportamento: Restrição ou excesso de sono, apetite ou interesse sexual, abuso de álcool, fumo, drogas ou medicamentos, comportamento “aéreo” ou querer isolar-se socialmente.
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Espiritualidade: Para alguns, a espiritualidade é importante fonte de estratégias de enfrentamento nesse momento de crise. Outros enlutados, entretanto, podem questionar sua fé e “brigar” com Deus.
O processo natural do luto não é linear, como muitas vezes acreditamos, ele é permeado por altos e baixos, idas e vindas, em um movimento pendular, descrito pelo modelo do Processo Dual do Luto (STROEBE & SCHUT, 1999). São dois modos de enfrentamento que oscilam ao longo da vida, ora estamos em contato com as dimensões da perda e suas dores, rememorando lembranças, sentindo a ausência do ente querido em datas significativas, por exemplo; ora voltamos para a restauração, lidando com as mudanças na vida sem a pessoa falecida.
É importante que a pessoa enlutada seja acolhida e ouvida em sua dor e que possa construir a narrativa da história vivida com a pessoa falecida. Quem era essa pessoa? Como ocorreu essa perda? Como ela está lidando e se há algo que está precisando? A possibilidade de narrar uma dor, torna esta mais suportável, tecendo uma rede de sentido para uma experiência muitas vezes avassaladora e disruptiva. O contato humano durante esse processo auxilia a pessoa a sentir-se acompanhada em seu sofrimento.
Programa de Acolhimento ao Luto da Unifesp
O Programa de Acolhimento ao Luto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Proalu - EPM/Unifesp) oferece acolhimento breve ao luto às pessoas enlutadas que perderam um ente querido durante a pandemia pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O acolhimento tem como objetivo promover um espaço de escuta da história vivida com o ente querido falecido e de acolhimento ao sofrimento psíquico diante da dor da perda em quatro atendimentos breves e pontuais via telefônica ou vídeo chamada, auxiliando-os na busca e identificação de recursos psíquicos, para que se sintam amparados e capazes de lidar com as dores do processo de luto.
Os atendimentos são agendados de acordo com a disponibilidade de horário do familiar e do profissional. É importante que o enlutado esteja em um lugar tranquilo, confortável e reservado que se sinta à vontade em se expressar livremente.
No Instagram @proalu.unifesp é possível encontrar informação sobre o processo de luto de forma acessível a todos.
Referências Bibliográficas
- Franco M.H. O Luto no século 21: Uma compreensão abrangente do Fenômeno. São Paulo: Summus, 2021.
- Parkes C.M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta [tradução: Maria Helena Franco]. 3.ed. São Paulo: Summus, 1998.
- Stroebe M. & Schut H. The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death Stud. 1999 Apr-May;23(3):197-224.
- Worden J. W. Aconselhamento do luto e terapia do luto: um manual para profissionais da saúde mental. São Paulo: Roca, 2013.
Autoras
Samantha Mucci
Professora adjunta e psicóloga do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Chefe da Disciplina de Psicoterapia e Psicologia Médica da EPM/Unifesp; Fundadora e coordenadora do Programa de Acolhimento ao Luto do Departamento de Psiquiatria (Proalu - EPM/Unifesp). Outras informações, clique aqui.
Marina Cardoso Smith Eberlein
Psicóloga do Núcleo de Atendimento e Pesquisa em Psicanálise e Dor do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Napped - EPM/Unifesp - Caism). Professora colaboradora de Semiologia das Relações Humanas da EPM/Unifesp. Outras informações, clique aqui.
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