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A importância da Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância

Publicado: Quinta, 22 de Outubro de 2020, 08h08 | Última atualização em Quinta, 22 de Outubro de 2020, 09h51 | Acessos: 33670

Pais e profissionais de saúde devem estar alertas

A lei 11.523, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 2007, instituiu a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, que acontece entre os dias 12 e 18 de outubro. O objetivo é conscientizar a população sobre a importância do período de 0 a 6 anos na formação de um cidadão mais voltado para a convivência social e à cultura da paz.

 

A Primeira Infância é o período entre a concepção e os seis anos de idade, quando ocorre um rápido e intenso processo de formação das conexões neurais, e durante o qual fatores genéticos e ambientais interagem de forma contínua para o desenvolvimento do cérebro e de todo o sistema nervoso central. Consequentemente, as experiências vivenciadas durante a primeira infância determinam a estrutura neural para o desenvolvimento das habilidades físicas, cognitivas e socioemocionais necessárias para garantir a saúde física e mental dos indivíduos durante toda a vida.

 

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Portanto, é extremamente importante que as crianças estejam inseridas em um ambiente enriquecedor, onde os fatores de proteção se sobressaiam aos fatores de risco ao desenvolvimento, ou ao menos que haja um bom equilíbrio entre estes fatores. Exemplos de fatores de proteção ao desenvolvimento infantil incluem boa nutrição e parentalidade positiva, que promova interações de boa qualidade das crianças com os pais e/ou principais cuidadores. Exemplos de fatores de risco incluem cuidados parentais inadequados, presença de sintomas psiquiátricos nos pais e exposição à violência.

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreve que as diversas formas de violência podem ser divididas da seguinte maneira:

 

Violência direta  Caracterizada por um conflito interpessoal que prejudica os indivíduos e/ou uso de ameaças e/ou ataques físicos, psicológicos ou materiais para impor as necessidades, objetivos, ou desejos individuais sobre outras pessoas.
Violência indireta  Expressa por meio de processos políticos, econômicos e/ou opressão na sociedade. Exemplos de violência indireta incluem desigualdade social e falta de acesso à educação e saúde de qualidade.

 

Os comportamentos de violência contra crianças podem ser caracterizados como abuso, definido como qualquer tipo de maus tratos, ou negligência, caracterizada pela falha dos responsáveis pela criança em cumprir com suas obrigações de ofertar um ambiente saudável e rico em estímulos e afetos positivos. Vários estudos relataram que as consequências da negligência são tão graves quanto as consequências do abuso infantil, pois ambos interferem negativamente e de forma intensa no desenvolvimento e esse impacto perdura até a idade adulta.

 

Para prevenir episódios de violência, bem como tratar as crianças e famílias vítimas de violência, além de programas parentais, são necessárias ações interdisciplinares e inter-setoriais, envolvendo as áreas de saúde, educação, assistência social, setor judiciário e a comunidade. Esse trabalho interdisciplinar integrado deve favorecer o “empoderamento”, protagonismo e autonomia das crianças, famílias e das comunidades, além de criar políticas públicas que garantam maior proteção às crianças e famílias vítimas de violência.

 

Os tipos de violência podem ser classificados em quatro tipos:

a) Físicos: bater, chutar, bater com a vassoura, sufocar;
b) Emocional/psicológico/verbal: gritar, assustar, humilhar, proibir alguém de ver sua família e/ou amigos;
c) Sexual: por exemplo, forçar a se vestir de maneira diferente da vontade da pessoa, estuprar;
d) Econômico: forçar ou proibir de trabalhar, fazer uso do dinheiro pela força e não devolvê-lo.

 

No Brasil, uma pesquisa com dados de 30 países sobre abuso (sexual, físico e/ou emocional), e negligência (física e/ou emocional), demonstrou que o Brasil era o país com as maiores estimativas de maus-tratos contra crianças. De acordo com a UNICEF, em 2018 foram assassinados cerca de 9.781 meninas e meninos no Brasil. Infelizmente, com o isolamento social devido à pandemia pelo COVID-19, as taxas de violência doméstica do Disque-180 aumentaram cerca de 34% entre março e abril de 2020, quando comparadas com o mesmo período de 2019. Dentre os fatores que podem contribuir para esse aumento da violência doméstica durante a pandemia são especialmente importantes: altas taxas de desemprego; redução do acesso a rede de apoio social, como familiares e amigos; fechamento das creches e pré-escolas; aumento do tempo de convívio com os abusadores; e redução de acesso aos serviços de proteção às vítimas de violência.

 

Vários estudos relataram que as crianças vítimas de violência têm risco aumentado de se tornarem adultos violentos, o que reforça a necessidade de intervir durante a primeira infância para reduzir a propagação de comportamentos violentos nas famílias. Por exemplo, programas de educação para pais com o objetivo de promover habilidades de parentalidade positiva e resolução democrática de conflitos familiares têm demonstrado benefícios de longo prazo para as crianças, como melhora de conquistas acadêmicas, de habilidades sociais e de comunicação, e redução de comportamentos agressivos. O Programa de Apoio a Mães (PAM), criado na década de 70 pela Fundação AÇEV na Turquia é um destes programas, pois promove atividades em grupo para que os cuidadores possam modelar comportamentos pró-sociais e praticar técnicas de resolução de conflitos com crianças pequenas. O PAM já foi realizado com sucesso em vários países, e desde 2016 tem sido implementado na cidade de Embu das Artes (São Paulo) pelo Programa de Atenção a Primeira Infância da Unifesp. Os relatos das mães que participaram do PAM em Embu mostraram aumento de práticas parentais positivas e redução de comportamentos violentos contra as crianças.

 

Autores

maria do rosario Profa. Dra. Maria Conceição do Rosário
Professora Associada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência (UPIA) da Unifesp
Coordenadora do Programa de Atenção a Primeira Infância (PAPI) da Unifesp
Maria Carolina Tuma Profa. Dra. Maria Carolina Tuma
Professora Visitante Adjunta de Saúde Coletiva na Escola Paulista de Enfermagem da Unifesp
Pesquisadora do Programa de Atenção a Primeira Infância (PAPI) da Unifesp
luciano gamez Prof. Dr. Luciano Gamez
Professor Adjunto do Curso Superior de Tecnologia em Design Educacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Pesquisador do Programa de Atenção a Primeira Infância (PAPI) da Unifesp

Referências

Center on the Developing Child (2007). The Impact of Early Adversity on Child Development (InBrief). Retrieved from www.developingchild.harvard.edu.

Tremblay RE, Gervais J, Petitclerc A (2008). Prevenir la violence par l’apprentissage à la petite enfance. Montréal (QC). Centre d’excellence pour le development des jeunes enfants. “Prevenir a violência pelo aprendizado na primeira infância”. ISBN 978-2-9810863-2-7

UNICEF-Brasil. Violência contra as crianças (2020). www.unicef.org/brazil/tópicos/violência-contra-crianças
Viola TW, Salum GA, Schiavon BK, Sanvicente-Vieira B, Levandowski ML, Grassi-Oliveira R. The influence of geographical and economic factors in estimates of childhood abuse and neglect using the Childhood Trauma Questionnaire: A worldwide meta-regression analysis. Child Abuse and Neglect, 51:1-11. 2016

World Health Organization. Addressing violence against children, women and older people during the covid-19 pandemic: Key actions. (WHO/2019-nCoV/Violence_actions/2020.1).

 

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