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O Paradoxo da Alimentação no Brasil
Momento de revalorização dos alimentos tradicionais
No dia 16 de outubro, é celebrado o Dia Mundial da Alimentação. A data foi criada com o intuito de desenvolver uma reflexão a respeito do quadro atual da alimentação mundial e principalmente sobre a fome no planeta. Convidamos Veridiana Vera de Rosso e Daniel Henrique Bandoni, pesquisadores de alimentos e nutrição do Instituto Saúde e Sociedade - Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (ISS-CBS/Unifesp), para abordar o assunto.
Pausa para reflexão
Talvez, a expressão “insegurança alimentar” seja muito leve para que boa parte da população brasileira compreenda que estamos falando de “fome”.
Aceitar a missão de escrever um artigo temático para o Dia Mundial da Alimentação em princípio parece fácil, contudo, ao tentar organizar as ideias para produzir um texto foi impossível controlar o sentimento de desolação.
Como falar de alimentação sem questionar as razões pelas quais 10 milhões de brasileiros encontravam-se na condição de insegurança alimentar grave nos anos de 2017 – 2018? Sem sentir a apreensão que assalta mais de 25 milhões de lares brasileiros que sofrem em algum grau a insegurança alimentar - leve, moderada ou grave (IBGE, 2020)? E ainda se perguntar como esses lares estão atravessando os tempos difíceis da pandemia de Covid-19?
Josué de Castro, em 1946, em seu livro Geografia da Fome, definiu o conceito, identificou as áreas de fome endêmica e epidêmica no Brasil e sugeriu como resolver o problema (Castro, 1984). Passados 75 anos, nos deparamos com quase 30 milhões brasileiros vivenciando a fome.
Na comparação com 2013, a última vez em que o tema foi investigado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a prevalência de insegurança quanto ao acesso aos alimentos aumentou 62,4% nos lares do Brasil. A insegurança vinha diminuindo ao longo dos anos, desde 2004, quando aparecia em 34,9% dos lares, 30,2% na PNAD 2009 e 22,6% na PNAD 2013. Mas em 2017-2018, houve uma piora, subindo para 36,7%, o equivalente a 25,3 milhões de domicílios. Fonte: Agência IBGE
O paradoxo da alimentação brasileira
Programamos para 2030, nós, os países signatários da Organização das Nações Unidas (ONU), alcançar um dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) que é “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável” (ONU, 2015).
A Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade coletiva e indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) distribuídos em 169 metas que visam fundamentalmente promover uma vida digna para todos. Estes 17 ODS são integrados e indivisíveis, e mesclam, de forma equilibrada as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.
Em um conceito mais amplo de segurança alimentar, as metas estabelecidas neste objetivo visam acabar com todo o tipo de má-nutrição, envolvendo nesta perspectiva não somente o fornecimento de energia, mas promover a qualidade nutricional da dieta, possibilitando o aporte adequado de todos os nutrientes essenciais, sem perder de vista a manutenção das práticas alimentares culturalmente referenciadas, o fornecimento de alimentos variados e saudáveis, livres de contaminantes de qualquer origem, com preço justo e que garanta não somente a satisfação nutricional, mas sensorial e afetiva também.
Nessa perspectiva torna-se evidente o quão desafiador é esse objetivo num cenário que expõe o paradoxo da Alimentação Brasileira de forma clara, onde milhões de lares ainda vivenciam a fome, o país se autointitula o “celeiro do mundo” orgulhoso de abrigar a maior biodiversidade do planeta.
Resgate dos alimentos tradicionais
A redescoberta de alimentos e técnicas de preparo culinário tradicionais são fundamentais para essa revolução que nossa alimentação precisa.
Nós pesquisadores de alimentos e nutrição nos sentimos especialmente desafiados em atuar proativamente e contribuir no enfrentamento da insegurança alimentar e fome. Para isso, um dos passos fundamentais é o resgate de alimentos bases que sustentaram a nossa população por séculos.
Se você pensou no arroz e feijão, sugiro que você descubra quais são realmente os alimentos tradicionais do Brasil, que sustentaram as populações indígenas, portuguesa que habitou o país a partir do descobrimento e negra (escravizada). A série documental “A História da Alimentação no Brasil”, baseada no livro homônimo de Luiz da Câmara Cascudo pode auxiliar no entendimento do papel da mandioca, do milho, da banana e de outros alimentos tradicionais, na constituição da alimentação da nossa nação.
O reencontro com a alimentação tradicional contribuirá para a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, para a superação da influência cultural estrangeira que nossa culinária tem sofrido no último século.
Biodiversidade disponível e acessibilidade
Diversos grupos de pesquisa têm trabalhado para avaliar, descobrir e publicar as propriedades bioativas dos alimentos da biodiversidade brasileira, que são provenientes de todos os biomas, tornando a disponibilidade regional uma realidade. A popularização das Plantas Comestíveis não Convencionais (PANCs) tem chamado atenção para o “mato no prato” com valor nutricional e variedade na dieta.
Cabe aos governos que formulam as Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição romperem esse paradoxo da alimentação brasileira, empregar as ferramentas que dispõe, tais como o Programa de Garantia de Preços Mínimos e de Fortalecimento das Cadeias Produtivas de Alimentos para facilitar o acesso de todos os brasileiros, expandir políticas exitosas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, e garantir o Direito Humano a Alimentação Adequada, Saudável e Culturalmente Referenciada.
Referências
Castro, J. (1984) Geografia da fome. Edições Antares. 10ª edição. Rio de Janeiro.
Câmara Cascudo, L. (2016). A história da Alimentação no Brasil. Global Editora. 1ª edição digital, São Paulo.
Por Veridiana Vera de Rosso
Professora Associada e Livre-Docente em Ciência de Alimentos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - Campus Baixada Santista, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde e da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação do Campus Baixada Santista da Unifesp. Possui graduação em Engenharia de Alimentos pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG, 2001), Doutorado em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 2006) e Pós-Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 2008). Outras informações, clique aqui.
Por Daniel Henrique Bandoni
Graduado em Nutrição pelo Centro Universitário São Camilo (2002), Mestrado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP, 2006) - mestrado realizado com bolsa CNPq, e Doutorado em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP, 2010). Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - Campus Baixada Santista e coordenador de Gestão do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane/Unifesp). Outras informações, clique aqui.
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